“Quero ser lida em profundidade e não como distração.”
“Leiam-me, não me deixem morrer.” (Hilda Hilst)
“Ser terra/E cantar livremente/O que é finitude/E o que perdura./
Unir numa só fonte/ O que soube ser vale/ Sendo altura.” (Hilda Hilst)
A grande homenageada deste ano na FLIP de Paraty foi Hilda Hilst e, diga-se de passagem, com 16 anos de atraso! Enfocando os temas sobre os quais a autora se debruçou durante toda a sua vida: o amor, o sexo, a morte, a vida após a morte, a finitude, a transcendência, a divindade, Hilda Hilst, que se refugiou no final de sua vida em sua Casa do Sol, em Campinas, teve, como Clarice Lispector, uma tímida circulação nas editoras enquanto estava viva. Ambas eram consideradas difíceis e herméticas e produziram incansavelmente. E,assim como Clarice, após a sua morte há 14 anos, Hilda vem se tornando um fenômeno nas redes sociais com a mesma obra tão pouco editada em livros. Os jovens a cultuam. Poetas e ficcionistas da nova geração mergulham avidamente em sua obra, agora totalmente reeditada e merecidamente festejada. Críticos e novos leitores a exaltam. Antes tarde do que nunca!
Paraty, completamente tomada, nos cinco dias, por um publico fiel de todas as idades transpira literatura. Em todos os becos, em todos os espaços sua programação contempla os interesses das mais variadas tribos, tanto em terra quanto no mar.
A programação é tão variada e intensa que a gente precisa optar pelos assuntos e autores que mais nos interessam. As entrevistas, lançamentos de livros, discussão de temas latentes no Brasil de hoje, música, cinema na praça, oficinas e mais a programação paralela se espalham por mais de 20 casas parceiras. Esta escolha é sempre feita com dor no coração por não podermos estar em vários lugares ao mesmo tempo!
As mesas mais concorridas deste ano foram a da seção de abertura na noite de 25 de julho, quarta feira, com a apresentação de Fernanda Montenegro que lançou seu livro: “Itinerário fotobiográfico”, com imagens e textos que registram grandes momentos de sua vida e obra como atriz. No palco do auditório da Matriz, transbordando de gente, ela apresentou trechos selecionados da obra de Hilda Hilst para uma plateia emocionada e apaixonada. No dia seguinte Fernanda também se apresentou no teatro do espaço SESC, numa leitura de trechos de crônicas e entrevistas de Nelson Rodrigues. Posou para fotos, atendeu os fãs que queriam autógrafo, papeou com o público com a maior simpatia e simplicidade. Nenhum estrelismo. Ela é uma paixão! (foto de Walter Craveiro para o jornal El Paiz, retirada da Internet)
Autores internacionais, como o inglês Christopher de Hamel autor de “Manuscritos Notáveis”, no qual examina doze manuscritos medievais de livros como “O Evangelho de Santo Agostinho,” “O livro de Kells” e “Carmina Burana” foi interessantíssimo.
A russa Liudmila Petruchevskaia, autora de “Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha” apresenta uma obra composta por breves contos absurdos de fantasia e horror. Ela foi censurada até 2002 em seu país e surpreendeu a todos com sua vitalidade, respostas desconcertantes e revelando-se também como cantora de presença marcante e voz forte para deleite do auditório.
Outras entrevistas interessantes foram de Alain Mabanckou, escritor da republica do Congo, autor de “Copo Quebrado” e “Memórias de Porco Espinho,” Simon Sebag Montefiore, historiador britânico, best seller que publicou as biografias de Stalin, dos Romanov, e agora de Catarina, a Grande e André Aciman, escritor egípcio, de uma família de judeus expatriados, que viveu na Itália e depois nos Estados Unidos e é autor da obra de ficção “Me chame pelo seu nome”, adaptado para o cinema com indicação para o Oscar.
Dentre os nacionais cito Sérgio Sant’Ana, o querido mestre da literatura brasileira contemporânea, que foi o grande homenageado na noite de quinta feira; Eliane Robert Moraes, ensaísta especializada no Marques de Sade e na literatura libertina do sec 18 .Ela publicou a” Antologia da poesia erótica brasileira” e “O Corpo Descoberto” (contos eróticos) e ainda o jovem contista Geovani Martins, nascido no Bangu e hoje morador do Vidigal, revelado na FLIP de 2015 e que lançou este ano o livro “O sol na cabeça.”
No último dia tivemos o prazer de ouvir nossa querida escritora vale-paraibana de Guaratinguetá, Thereza Maia, que registra a história oral do Vale do Paraiba e também de Paraty em mais de 40 livros publicados. Ela nos falou de malassombros, junto com Franklin Carvalho, um narrador do sertão baiano que abordou a mitologia da morte em seu premiado romance de estreia “Céus e Terra.”
A programação da Flipinha também esteve interessantíssima, bem como a mostra das atividades culturais do SESC, onde destacou-se a exposição fotográfica de Claudia Andujar, fotógrafa e ativista suíça naturalizada brasileira que viveu com os índios Yanomami e os fotografou em seu cotidiano.
A par de toda essa programação literária, a gente aproveita também, e muito, as lojas, bares, restaurantes, caminhando pela cidade histórica, ou optando pelos inúmeros passeios de escuna. A parte gastronômica, com cardápios variados é um programa sempre delicioso. Há música em todos os cantos da cidade, feiras de autores e editoras independentes, saraus, degustação de vinhos e da cafés especiais, visita a igrejas seculares, museus, oficinas de máscaras e de carimbos, trocas de livros e de endereços com escritores de todas as partes do Brasil, novos amigos e muito papo regado a batidas, sucos e a cerveja geladíssima que acompanha conversas que adentram pela madrugada.
E, para encerrar com chave de ouro esta FLIP de 2018 tivemos o privilégio de assistir, dia 27, sentados em cangas sobre o gramado de frente ao mar, o raro eclipse lunar que teve 103 minutos de duração: o eclipse mais longo do século 21 e ainda em conjunção com o planeta Marte.
Assim, as lembranças que me ficam destes dias tão especiais, são da presença de Hilda Hilst, que permeou com sua obra todos os principais eventos, a companhia de amigos queridos, os bate papos intermináveis noite adentro, a magia da cidade histórica com suas pedras e ruas seculares, a arquitetura urbana colonial que confere a Paraty um clima de magia e esta rara lua vermelha fechando com chave de ouro a festa tão mágica. Partimos de Paraty já sentindo saudades, mas com o consolo de que, em 2019 tudo se repetirá, e nós estaremos presentes, com certeza, para alimentar nossa alma de poesia e nossos olhos de beleza.
Viva a FLIP!