As cores da noite

Lentamente a cidade vai escurecendo, e já uma enorme lua cheia ilumina o céu. A lua é um carimbo cintilante que ora aparece, ora desaparece por trás dos biombos de nuvens…A noite nasce e, coisa estranha…nenhuma lâmpada se acende! Escurecem postes, ruas, praças e quintais. Escurecem prédios, casas, quartos e varandas. Custa-me um pouco entender o que se passa: Falta luz! Luz elétrica! Uma nova circunstância instala-se ao meu redor a partir dessa escuridão primitiva, e até que novas ordens cheguem ao cérebro, sinto-me perdida. Onde coloquei os fósforos? E as velas? Enquanto penso, outra cintilação me surpreende. Um vaga- lume! Um vaga-lume risca o espaço e ilumina o breu. Há quanto tempo não vejo essa pequenina lanterna voadora que pisca e pisca desenhando imaginárias rotas aéreas nos jardins? O mesmo período em que não me sento na varanda com o único compromisso de observar a noite e suas cores…A noite e seus sons…A noite e seus odores. O mesmo em que não desligo voluntariamente as luzes artificiais e deixo-me envolver, eu também, por essas trevas benfazejas que me lançam numa quietude de alma que contagia corpo e mente. Uma antiga seresta ecoa dentro de mim: Noite alta, céu risonho, a quietude é quase um sonho, o luar cai sobre a mata, qual uma chuva de prata de raríssimo esplendor… Longe, lá no horizonte, (vejo?) intuo essa mesma claridade delicada pousar sobre a Mantiqueira. Ah! A Serra deve estar coalhada de pontinhos luminosos! Recordo-me de uma noite como essa, no topo da Pedra do Baú, quando, reunida a um grupo de amigos, eu aguardava pelo espetáculo de um raro eclipse lunar. A cidade a nossos pés, lentamente vestia-se de luzes, enquanto nós, sentados sobre a pedra éramos brindados pelo bailado em espiral de tantos pirilampos, que o eclipse tornou-se secundário. Ali, ninguém sentiu em momento algum a falta de claridade, pelo contrário, mergulhamos em nosso universo particular com seu próprio ritmo de luz e sombra. Mas, nessa noite de agora,Tão longe da Mantiqueira, meu olhar pousa sobre a imensidão dos pampas e a lua, que flutua no céu, sinto que me observa. Sua longa veste é de tule azul estampado de estrelas. Ela está acordada revelando todo o esplendor de seu rosto cheio, enigmático, sereno. Lua/ Ártemis/ Hécate, décima nona carta dos arcanos maiores do Tarô, de tantas variadas faces que se alternam na penumbra e também em nós, permitindo que nossa alma se manifeste, igualmente, em seus variados nuances, humores e disfarces. Para ela compomos versos e canções, inventamos que um dragão alado a habita, enviamos sondas e foguetes. Protetora de magos e de amantes, será que ela própria adivinha toda a força que canaliza e reflete? Sem ela, o céu noturno perde todo o mistério e magia. Sem sua presença, o que seria de nossas fantasias? Haveria cenário para histórias de lobisomens, bruxas, fantasmas e vampiros? Que princesa perderia seu sapato de cristal fugindo em desabada correria antes que os primeiros raios de luz solar a alcançassem e rompessem o feitiço das fadas? Ah…somos criaturas lunares pois é à noite que se revela nossa essência permeada de emoções e necessidades, às vezes inconfessáveis, e a fantasia galopa solta ao sabor da aragem noturna. Com o nascer do sol o encanto se desfaz, a fantasia termina e somos atirados de volta á realidade de trabalho, compromissos, correria e tantas indelicadezas. Somos criaturas lunares, e, no entanto, quase não nos permitimos vivenciar esses encontros que alimentam nossa criança interior, nos acalentam e acalmam. Permiti-mo-nos, tão pouco, resgatar a mágica sinfonia da noite composta de luz e movimento, que só em quietude de alma podemos ouvir sentir, entender e possuir. (Ludmila Saharovsky)

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    9 pensamentos sobre “As cores da noite

    1. Linda e querida Ludmila,
      o tempo passa e vc continua a mesma: ideias, captação do mundo, Luz pura.
      Meu coração está sempre perto do seu.
      Todo meu amor,
      esther

    2. Meu Tesouro, só mesmo uma alma como a sua para “despejar no papel” um poema como este! POEMA? Sim, um poema! Para mim isto não deixa de ser um lindissimo poema regado à luz desta lua maravilhosa.
      Beijos, seu Livingstone

    3. Emilia Prado via facebook :
      como é lindo ter a visão pra poder ver essas coisas maravilhosas!

      Sílvia Sotero via facebook :
      Simplesmente lindo…vale a pena conferir o blog Espelho D´Água!! Ludmila Saharov tem o dom maravilhoso de nos fazer viajar…Adorei!

    4. Lindo…Lindo…Lindo…! Porisso que todos os dias agradeço a Deus pela visão maravilhosa que Ele me ofereceu,pois só desta forma poderei “apreciar”as belezas que as minhas boas amizades me oferecem. Vale mais uma visão como esta do que um mimo, ainda que bem oferecido.! Você é maravilhosa…conserve-se sempre e cada vez melhor, para o deleite dos seus leitores. Um grande abraço. Ercilia
      (via e-mail)

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