Confidências


Hoje, choquei-me contra a realidade do céu azul
e a palavra que queria dizer-te, espatifou-se em minha boca.
Virou suspiro, virou soluço, virou saliva, virou susto!
De repente, o eixo de marfim que me mantinha centrada neste mundo, equilibrada, equidistante, tornou-se uma espiral de sonhos a atravessar-me, a dividir-me ao meio:
Metade mulher, metade filigrana ornando um camafeu onde observo a estampa de meu próprio rosto.
Sou fêmea na aurora, preenchida por seixos e presságios. Deusas e demônios.
Percebes a metamorfose?
Será que mesmo assim, poderás identificar-me?
Reconhecer-me pelo meu cheiro e gosto?
Perceber esse alarido de pássaros que me atravessa a alma
e se desprende de mim, feito choro de violoncelo e cuíca em contraponto?
Ah…meu coração está repleto de candeias acesas, tochas, archotes, velas,
aguardando um rito nobre que o ressuscite, que o redima…
Estou assim, meio indefesa no universo.
A vida escorre em mim, feito areia na ampulheta: mais um grão…mais um… mais outro,
enquanto vou me consumindo nessa miragem,
abismada em profundezas infinitas…
E esse ruído de tambores distantes enviando mensagens cifradas!
Para que? Para quem? Para mim? Para ti que em mim te escondes?
Mas afinal, de quem é esse destino que se tece assim, à revelia, entre as cordilheiras?
(Ludmila)
texto publicado na Antologia Delicatta, 2011, Editora Scortecci

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