É verão e o calor prossegue materializando cheiros e suores ardentes, embriagando-me de luz. Essa quentura palpável que gruda na pele, que se corporifica numa espera pesada, sem vento, sem clemência, sem frescor, sem uma aragem. Essa estação repleta de pastos queimados de sol e de palavras morrendo de sede dentro da boca. Essa incandescência sem brisas nem concessões à uma sombra amiga, qualquer que seja, de onde quer que venha! Essa febre que me transporta ao deserto de mim mesma, à uma sonolência improdutiva, à dificuldade intransponível que as coisas paradas provocam em nós.
Olho pela janela e pressinto camelos levantando o pó sobre a areia escaldante das dunas, que se multiplicam e multiplicam numa paisagem minimalista. Onde o sonhado oásis? Quem sou eu, me pergunto, envolta neste sudário de linho cru, caminhando em silêncio pelas ondulações arenosas sob meus pés cansados. Eles, que carregam esse pesado fardo de carne e ossos…e, por vezes, também asas! E para onde vou? Existirá um bosque refrescante além desta vidraça? Desse muro? Desse jardim sedento?
Dor? Nenhuma! Apenas a indiferença colorida por tons secos e um sol que, às vezes, é simplesmente um caleidoscópio multiplicando irradiações de tédio e preguiça.
Assim como eu, a tarde indolente também se arrasta, cumprindo um itinerário de esperas. Aguardamos, ambas, que a noite caia e nos resgate, e nos redima, e nos refresque, e nos envolva no estado de graça que traz em si. Ah! Essa leveza, essa bem aventurança de céu que finalmente reflete a luz fria da lua! Um céu repleto de estrelas e constelações. Ele se abre sobre nós e brilha e nos conduz à quietude e ao silêncio, aos sonhos e anelos. Esse céu que nos absolve das angústias e nos permite descansar.
Aguardo a noite ansiosa, porque ela me permite a fuga, ainda que momentânea, de compromissos e rotinas, de desertos e caravanas, de dunas e camelos.
À noite dispo-me de mim. Desfaço-me do peso de meu corpo, de suas tantas sinas e calvários e me permito anelar por rios e lagos repletos de água cristalina. Por garças alvas e peixes azuis. E tâmaras e figos frescos. E riachos e cascatas. E o vento trazendo enfim a chuva benfazeja. À noite impregnada de tantos mistérios, escura e veludosa, eu peço que me acalente e me embale. E, contrariando os instintos primitivos que nos levam a hibernar no inverno, quero adormecer agora, neste interminável verão, e despertar, apenas, quando se fizer, de fato e de novo, a primavera.
(Ludmila Saharovsky)