…a gaveta cheira a guardado. E no fundo, canto direito, herança da meninice, jaz um pequeno baú e seus tantos segredos. Entre inúmeros bilhetes de amigos, encontro um pequeno papel,recortado, de bordas coloridas. Uma dobradura rudimentar que se abre e abre, até formar, dentro de quatro pétalas, um coração atravessado por uma flecha, e duas iniciais. Ah! as coisas extraordinárias que nos chegam às mãos, quando resolvemos visitar o passado! Desde trevos ressequidos aguardando a prometida sorte que passou por nós (passou mesmo?) até um graveto, delicadamente embrulhado em papel toalha, amarelado, da frondosa árvore sob a qual trocamos aquele primeiro beijo e o corpo descobriu a alquimia das águas! Mais: três moedas chinesas, com um orifício no centro, que eu achei tão estranhas e bonitas e você me ofertou! (um tesouro raro) Mais: o escaravelho verde esmeralda, completamente mumificado, estilhaços de um pequeno espelho que refletiu, quem sabe, pequenas transgressões, já que as grandes não se guardam em gavetas para a posteridade! Diante desses ícones do passado, desses sargaços envolvidos na rede da saudade, os sentidos reclamam da falta de visitas à infância e adolescência, que simplesmente deixamos de lado, como a uma agenda antiga, sem serventia, mas da qual não nos desfazemos, não me pergunte porquê!
Urge nomear um guardião para essas memórias! Um outro em nós, que revolva periodicamente caixas e baús e nos guie, pelo fio de sentimentos abandonados, de volta ao nosso próprio labirinto, onde nossa juventude interna teima em se conservar intacta e indecifrável em seus anseios. Quanta vida não resgataríamos! Tantos retratos esmaecidos pelo tempo, impressões digitais pousadas nas cartas, antigas cadernetas escolares, as notas vermelhas gritando outras noturnas opções que nos permitiam o estudo de inusitados rios e cordilheiras com exercícios de química e física quase quântica! Aqui, um ingresso para cinema com o telefone anotado, ali um lenço masculino outrora impregnado pelo aroma do “Lancaster” hoje apenas pressentido, pairando sobre ele feito aura, medalhas conquistadas no vôlei escolar, o cartão das primeiras rosas recebidas, cujas pétalas conservam-se transparentes no envelope, lembranças mutiladas, quase desfeitas. Ah! E o papel cor de maravilha do sonho de valsa, que me fez, verdadeiramente, dançar de felicidade!
E os olhos? Nossos olhos de antigamente, sonhando um futuro que passou tão rápido que já se fez passado! Como era instigante olhar para dentro do tempo e imaginar a vida florescendo em nós, estendendo-nos um tapete de relva verde, sempre macio, que iria recolher nossas pisadas. Onde você perdeu-se de mim, neste passado?
Bom…as vezes o universo conspira e reencontros acontecem!
(Ludmila)
Ah essas gavetas mágicas que nos fazem voltar no tempo! Chegam até ao cúmulo de nos fazer corar…rsrs ou o coração disparar. Muito bom o texto, Lu…me fez reviver. Beijos, irene
Então, amiga…como eu sempre digo: recordar é outra forma de habitar o tempo…ou não é? Beijos, querida!
tem vezes que nem preciso revirar os guardados, só olho para aquelas caixas dentro da gaveta e salta o passado que foi tão rápido… quantas vidas vivemos, já pensou nisso? me sinto muitas, minha amiga!
que delicioso texto, Lancaster, papel cor de maravilha…
Somos protagonistas dos anos dourados, todos nós!Essas lembranças são comuns à nossa geração, não é mesmo?
Se bem que, anos dourados são os anos da juventude de cada um. O segredo é mantê-los sempre vivos! beijão, amiga!