Receita de mãe


(Bella Swan e seu bebê, da saga de Crepúsculo)

Receita de mãe

Colha uma mulher e acrescente:
Duzentos e setenta dias de espera. Espera demorada, arcada, de um corpo que lentamente se avoluma, mais:
As dores do tal parto “sem dor”, o grito e o clarão da vida, mais:
O alívio dos vinte dedos conferidos um a um, da boca, nariz, olhos perfeitos; a certeza do choro, da placenta eliminada, do ventre flácido, das múltiplas estrias, mais:
As flores recebidas, os parentes, os presentes, a canja, os lençóis, o cheiro de hospital, mais:
Os seios inchados de leite, mamilos rachados pela voracidade da sucção, a breve paz da fome saciada, as cólicas, a delicada moleira, a cicatriz do umbigo protegida no primeiro banho, mais:
As madrugadas insones, noites e dias agitados no rodízio interminável de fraldas com cocos e xixis, os livros de pediatria na cabeceira da cama, as infindáveis dores de barriga e de ouvido; os chás de ervas, os azeites quentes, os palpites, as mamadeiras, os sucos, as papas, os caldos e rescaldos, mais:
O primeiro sorriso, os primeiros dentes, os primeiros passos, as primeiras palavras, o primeiro monumental, incrível, assustador tombo do berço, mais:
Os galos, o dedo na tomada ,o feijão no nariz, os pontos na testa, mais:
As aulas de escovar os dentes, de bem comer com a colher, de não fazer pipi nas calças; e os tapetes regados e lençóis molhados e travesseiros ao sol, mais:
Os riscos de lápis nas paredes brancas, os borrões, as manhas, as birras, as pequenas mal criações, a bola na vidraça, os passeios, a gangorra, o balanço, as mil fotografias nas mais inusitadas poses, mais:
A perua da escola, a dolorosa separação, as lágrimas incontidas, a lancheira, as tranqueiras, os besouros guardados no bolso do pijama, o tênis perdido, as cutículas em franja, o chiclete grudado embaixo da cama esperando o novo dia, mais:
As sabatinas, os deveres, as pesquisas, os cartazes, o sonho, o pesadelo, a primeira calça comprida, o primeiro sapato alto, o primeiro baile, as boas companhias…e as más, mais:
As cólicas menstruais, as revistas de sacanagem, a mesada sempre curta, a garota do vizinho, o garoto da vizinha, a puberdade, a impertinência, a adolescência, mais:
As noites novamente insones, o barulho do carro na garagem, da abençoada chave na fechadura, o primeiro romance sério, a primeira desilusão, as primeiras lágrimas engolidas de paixão, a camisinha na gaveta do criado, a caixa de anticoncepcionais, as explicações não dadas, os carinhos nem sempre devolvidos, os beijos de bom dia esquecidos, e mais:
A eterna incompreensão entre gerações, a incompreensão eterna, eternamente repetida e perdoada.
Essa a tradicional receita de mãe!
Já experimentaram? Certamente…
Então, um feliz dia das mães para todas nós!

(Ludmila Saharovsky, crônica publicada pela primeira vez em maio de 1972 no jornal Diário de Jacareí)

PS. Meu filho caçula estava para nascer. Hoje, sua filha Lórien, minha neta, tem 1 ano e dois meses, e a receita se repete sem quaisquer variações…

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    7 pensamentos sobre “Receita de mãe

    1. Lu, querida!
      Você descreveu num texto curto não a receita, mas a saga de todas as mães. Fiquei emocionada! Grande beijo e um Feliz dia das mães junto a seus filhos e netos!
      Cristina Blum

    2. Lu acabou de deixar meu olhos marejados d'água, eu ainda não passei pra segunda fase de adolescente mas já me preocupo. Imagina! Lindo o seu texto tão verdadeiro e sim, passaremos todas por isso. Beijos no teu coração.

    3. oi Lu-
      pox tu só podia ser m~e mesmo – e e fez chorar , me recordar de toda inexperiência , e de tanto mor , se achar incapaz e depois se achr heroina ..
      eu agora estu na fse do esquecimento dos beijos , do ouvir o barulho da chave e dar uma alivio no coração, uns abraços fortes deles , sem palavras mas ..precisa falar…o ver que tudo que fiz valeu, bons filhos, de boa indole
      menina tu escreve bem mesmo – aqui eu me li, porque a gente sempre pensa que só com a gente que aconteceram tudo isto .
      feliz dia todos das mães
      b
      lu

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