Há objetos, situações, lugares, que, inexplicavelmente, marcam-nos para toda vida. E digo inexplicavelmente, pois, por mais que tentemos, não conseguimos dissecar esses sentimentos. Há que senti-los. Em se tratando de objetos, alguns nem têm a importância que outros, mais valiosos, bonitos e singulares deveriam possuir, porém, numa abordagem pessoal de valores, nós os tornamos únicos e mágicos.
Penso nisso, enquanto observo uma antiga gravura que preservo afixada sobre a escrivaninha, desde sempre! Nela, a estampa de duas crianças atravessando um pontilhão se perpetua. Atrás, zeloso, o Anjo da guarda. Mas por que eu a mantenho, por tanto tempo, mesmo manchada, descorada, corroída nas bordas? Não sei! Que sentimento tão leve de ternura ela me inspira? Esse calorzinho na alma! Eu a conservo porque necessito dessa proteção à qual tenho direito adquirido, desde o momento em que soube que anjos da guarda existem, com a única função de nos cuidar! Com o passar dos anos, fui conhecendo e me familiarizando com muitos deles, diferentes e interessantes: Góticos, barrocos, medievais. Doces e severos. Místicos e profanos. Eu os desenhei, descrevi, fotografei. Eu os admirei em museus, templos, galerias. Eu os vi em filmes, procissões, peças teatrais: Arcanjos, Querubins, Serafins. Alguns, muito populares como Daniel, Gabriel, Rafael. Outros quase desconhecidos como Sanvi, Sansavi, Samangelaf. E Samuel que se deitou com Lilith, a primeira mulher rebelde das Escrituras. E Pygar, anjo cego e futurista que atravessou os céus com Barbarela. E Seth, irrequieto e contemporâneo que resolveu sentir nossas humanas emoções, materializando-se no Cidade dos Anjos. Tantos referenciais, tantas figuras majestosas… e eu guardando essa velha estampa desbotada! Por quê? Porque gosto de seu clima! E não pensem que sou alguma angiologista compulsiva. Aliás, nem tenho afinidade com essa matéria. Não li um livro sequer da Bonfiglioli. Desconheço qual dia regem, a que hierarquia pertencem, que evangelista inspiram. Para mim, anjo é questão de foro íntimo. Inexplicável. Crer ou não crer neles, é opção individual! E eu creio! Sinto-me mais segura imaginando que caminha ao meu lado um guarda costas celestial exclusivo, a cujos cuidados retribuo com velas acesas, fé e muitas preces. Preces diversas das que eu fazia, há muito tempo, ao pé de minha cama, olhando aquela figura diáfana: A leve túnica de cor azul celeste como seus olhos, os longos cabelos louros ondulados na altura dos ombros, ela guardava meu sono e me protegia ao despertar: Santo anjo do senhor…meus zeloso guardador…. Um ser cujo comportamento, eu intuo, segue exatamente ao descrito no poema de Neide Archanjo, que recito, a guisa de oração: “O dia/ passado entre acácias/ e esquecimentos/ já se foi./ E dormem pessoas/ desassossegos./ Não o anjo./ Diante da presença/ que se desenha úmida/ porque chove/ e a noite é imensa /repito o nome/ que lhe dei./ Do umbral/ ele sorri/ em aliança” Pois assim é. Para explicar-se um anjo e o que ele representa , só a poesia ou a oração, ambas, linguagens da alma, que conseguem colocar-nos em sintonia com o Sagrado que nos habita. (Ludmila Saharovsky)
(crônica publicada no jornal O Valeparaibano)
Ontem à noite falei muito com uma amiga querida a respeito dos anjos… e, hoje, li em “Espelho D’àgua” a linda crônica que você escreveu a respeito de uma gravura com a retratação de um Anjo da Guarda. Bom demais!
Rita Elisa
Querida Rita Elisa. Obrigada por seu carinho. Suas palavras enchem meu dia de novas cores! beijos!
Seus textos são lindos, monólogos, crônicas e biografia, com sua escrita poética formando novas sensações na nossa alma!
Rita Elisa