As faces secretas da palavra


(foto Paul Von Borax)

Olhar de fotossíntese

“Chega mais perto e contempla as palavras, cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta,
sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?”
(Carlos Drummond de Andrade)

Como escrever sobre sentimentos que não podem expressar-se em palavras? Revelar este momento único de espera, quando aguardo por algo que eu só pressinto, mas não qualifiquei ainda, então, nem rego para que cresça, e nem o arranco de vez de mim, mesmo correndo o risco de que poderá tornar-se erva daninha, e colocar todas as tênues memórias a perder…Como plasmar o meu sagrado em palavras, sem contaminá-lo por este vácuo de incertezas no qual mergulho, sentada à mesma mesa de refeições, onde tantas vezes elaborei textos que tremula te remetia? Ah, esta esperança contínua de que os lesses com outros olhos e descobrisses, finalmente, a chave que eu te enviava de acesso ao meu jardim secreto, onde florescem tantas emoções? Curvo-me sobre mim mesma, como se, através do gesto de retornar à posição fetal, me fosse possível um novo renascer. Como se, desta maneira, eu conseguisse destruir o passado, e houvesse a simples promessa de que, a partir de então, meu destino pudesse tecer-se de maneira diferente. Observo toda a vida que passou por nós, em meio a estas palavras com que tento, agora, te remover de mim. Revejo nos teus olhos quase negros um abismo que me fascina e atormenta. Tu me olhas, sempre, através de mim. Através de meu corpo. Através de minha vontade. Através de meus pensamentos. Através do tempo, que gira, gira e, em círculos, retorna. Pegas na folha escrita que te entrego e lês o conteúdo com sincera atenção. Dizes: Este teu texto é muito bom. Eu gosto. E eu fico observando, muda, como teus olhos se contraem quando mudam de foco e me fitam. Então, para que não corras o risco de penetrar-me mais, começas a narrar-me os últimos livros que leste, as cidades que visitaste, teu lar, amigos. Falas de teu pai, irmãos e pessoas que habitam teu presente. E eu absorvo em mim cada palavra, tentando perceber outras frases dentro das que me dizes. Adivinhar porque me escolheste para tuas confidências, que ouço com o coração, pois me emocionam sempre tuas histórias.Talvez eu pudesse interromper-te, como se fosses um menino ainda, e ordenar-te que me enovelasses também em teu destino, para que eu pudesse dele partilhar.Covarde, no entanto, apenas imagino as coisas que poderia te dizer…
Perguntar, por exemplo, se percebes o rubor que me tinge as faces, sempre que me fitas. Colocar, se também sentes o vazio desta cidade, quando não estamos juntos… Se imaginas como te sigo em pensamentos por todos os lugares em que vais, quando de mim te ausentas…Se me intuis, incendiada pela memória do toque de teus dedos em minha pele, mesmo tendo a certeza, que sempre, sem outras intenções. Ah…e insistes tanto em nada conhecer de mim, nem o que te mostro, apressada, nestes breves textos, como se, ao ler-me tu corresses o risco de, de repente, transformar-te e te perder deste que és… Assim, nada queres saber das feridas, do deserto, de minha alma rasgada e dividida entre dois mundos, de minhas emoções sempre à flor da pele, e que vou aprendendo a disfarçar com este olhar transverso com que te fito. Um olhar, que um dia classificaste, como de fotossíntese…enquanto me devolvias a chave de acesso às palavras.
(Ludmila Saharovsky)

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    6 pensamentos sobre “As faces secretas da palavra

    1. Carlos Bueno Guedes disse…
      Sinto tanta saudade de seu convivio, suas palavras suavemente moldando cronicas e poesias com infinita sensibilidade, visito
      diariamente seu blog, desfazendo saudade, juntando pedaços do
      tempo que os olhos viajavam entre palavras tecidas com o vigor de sua prosa !

    2. Querida amiga, você sempre nos presenteando com seus textos, suas poesias.
      Lembrei muito da "A Pedra e O Lago", tantos momentos maravilhosos. Ai que saudades!!!
      Beijos

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