Nessa caliente Copacabana, onde há choque de tudo no espaço, e onde mineiros importantes ou não, perambulam, ou se exercitam, ou observam, ou se ocultam, foi bem cravada a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade. Ela foi o inicio de uma serie de esculturas desse tipo por aqui – uma volta ao figurativo, de leve. O expressionismo, ou outros estilos, deram uma recuada, e a tendência é mundial – a arte para o povo tem de ser a arte que ele entende, e agora? Li uma entrevista de escultor mineiro, de tendência moderna, que alega viver de experiências.Tudo bem. E acrescenta que as experiências com a arte dizem respeito a ele só, e ponto final, “só ao artista interessa”. Eu não sei, mas por mais que tente não entendi. Sempre se sonha com a arte do povo, para o povo com o povo. Do jeito que a coisa vai, um dia, a gente tem de largar o elitismo, os requintes,as complicações, e tudo que é vivente vai poder pintar, esculpir, musicar, e filmar pelas ruas como bem lhe aprouver. Me lembro, como cita Ernst Fischer, sobre o pintor Mondrian, que prediz o possível “desaparecimento” da arte.” A arte desaparecerá na medida em que a vida adquirir mais equilíbrio” diz. O povão abraçou direto a mimese, gosta do velho poeta, sentado, de pernas cruzadas, óculos bem pessoais, olhando a Av. Atlântica. Pivetes já lhe furtaram esses óculos, mais de quatro vezes – são de bronze, e aquilo rende uns tostões pra comprar droga. Já vi ali, seres incríveis, em catarses inéditas. Um tipo africano angolano talvez, espanava todos os dias, hora certa, e monologava. Um mulato de barba, espera acabar a seção, e entra em cena. Diz que conheceu o poeta, que ele lhe dava uns trocados, tem direito a fazer a conserva. Cara amarrada, usa uma flanela surrada, rebrilha as curvas do metal, e canta. Sai o mulato, entram três moças do sul, lindas, alvas, sem sol do Rio na pele. Puras de graça e encanto, encostam as carinhas, umas nas outras – a da esquerda deita-se no ombro de Drummond, e um acompanhante bate a foto. Depois, vem a mim e pede que tire dos quatro. E é a hora do bebum, brabo, sem nome sem profissão, sem documento, traz um pano sujo. Ele cheira mal a distancia, e se achega a Drummond. Grudado, mediúnico, fala desconexo, pé descalço de unhas grandes, roupa em frangalhos. Grupo de turistas é afugentado, impossível tirar foto. Agora o poeta é dele, e só dele. Pensadores dizem que mendigos andam sujos, pra espantar gente, pra distanciar os homens. Mendigos têm uma imunidade natural, disse-me um psiquiatra – violonista e meio louco. Lembro-me da figura de Fernando Sabino, que eu avistava coincidente em horário de caminhada – sempre de sunga, só e caladão, pela ciclovia, parando invariavelmente pra ver esse bailado em volta do conterrâneo. Tal como a praça, a estátua do poeta ali é do povo, absorve suas aflições. Alguns desses bêbados, ou os que nós ousamos julgar alienados, muitas vezes se apossam do banco de Drummond, dispostos a ficar. Sendo grande a demanda pra fotos, chama-se logo um guarda municipal, que mata a pureza do colóquio. Aí, somente o mar do Posto Seis, ali em frente, num hiato das ondas, testemunha esse instante único, em que só um anjo de metal, foi capaz de acolher o indesejável, e lhe ouvir em silencio.
Copacabana – Janeiro de 2008
(texto de Fabiano Mauro Ribeiro)
Lindíssima crônica, em que o autor percebe tanta beleza!
Drummond gostaria de lê-la.
Se a arte não emocionar imediatamente, fica triste.
Obrigado Lud!