Amar, verbo primeiro

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Sem palavras.
Tudo pode o amor!
Vídeo gravado por um turista na ilha chamada Geórgia do Sul que pertence aos ingleses, e situada ao sul mais distante do continente Sul Americano.
Este é um vídeo único de uma turista, que se sentou na praia para admirar os elefantes marinhos e os pinguins na Baia Dourada da Geórgia do Sul. Inesperadamente, um dos elefantes marinhos é aparentemente atraído por ela e pouco a pouco vai se aproximando. É uma cena fora do comum e muito interessante. O elefante marinho e’ grande (mais de 2 toneladas), entretanto ela nunca se amedrontou… ao contrario, mostrou um mix de absoluta naturalidade e divertimento, enquanto outra pessoa gravou em vídeo esta maravilhosa experiência.
É impossível não se emocionar. É o encontro com a inocência no seu estado mais puro!

     

    Fernando Coelho

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    Sonata do Cair da Tarde
    “O desperdício da palavra dorme entre teus dedos leves no despudor da madrugada. Aguarda que o amor ali lhe acorde imaculado. Quantas noites existirão nesta que te suplica amor? De mim, tens o tamanho e a pulsação. Esta angústia quer que seja o amor surpreso, imorredouro, porém. Mais ou demais? Imortal como um raio que se esconde na terra. Essa distância é simples desapontamento no caderno escolar. Lápis que escreve em casca de orvalho. Há curvas assimétricas de perfume, rasas, na compreensão de um amor para sempre, quase volátil, esfinge trêmula, animal sincero, sim. Eterno até que dia? Há curvas no amor que não se lamentam da labuta por serem curvas perdendo-se no amor. Deságua a noite que turva o mar, turva o que desbota, o que tem, e ainda canta o encanto de ser noite. Lacerando-me com a melanina da lua, uma lágrima impura de conciliação. Cedo, a lágrima. O pungente e inabalável amor é sobressalto de ouvir dizer. De ouvir falar a amada, sem vê-la, nenhuma vez, nenhum dia, nunca. Lampejo do corpo foge entre os dedos, sangue sobrando no paladar, gosto de espinho no coração, ferindo a fímbria do lençol que levas, arrastando como um sonho de pano no corpo de petúnias. Só, o envelope invertebrado do meu mundo. Teus ombros túrgidos recolhem-se, embriagados de alvorada, e atiram-se pela janela roída de paisagem amanhecida. E me matam com odor de nunca mais. Eu, com as árvores da noite flageladas, a janela reclusa em tua beleza inocente, choramos que partas tão depressa desvestida do meu abraço incrédulo, nu, poderoso, e desgarrado do vento. És o suspiro de nós dois. Fica neste sonho.” (Fernando Coelho)
    Imagem: Lucy Reynolds

       

      Existirmos, a que será que se destina?

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      Cajuína
      Caetano Veloso

      Existirmos: a que será que se destina?
      Pois quando tu me deste a rosa pequenina
      Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
      Do menino infeliz não se nos ilumina
      Tampouco turva-se a lágrima nordestina
      Apenas a matéria vida era tão fina
      E éramos olharmo-nos intacta retina
      A cajuína cristalina em Teresina

      Sem palavras frente a tanta beleza!
      Mas, que solo chorado de violoncelo é este?

        

        Estou enjoado de política

        Rubem Alves, que eu amo tanto!

        Rubem Alves, que eu amo tanto!


        Olho para as notícias da política com absoluta indiferença. Por vezes o absurdo é incomum e se torna ridículo. Aí o humor me provoca, por um curto espaço de tempo, mas logo retorno à realidade. As notícias são de uma mesmice sufocante. Os mesmos rostos, os mesmos lugares-comuns, as mesmas frases batidas que nada dizem. Sou tomado por uma sensação física de paralisia e impotência. Nada posso fazer, em nada posso acreditar. Meus pensamentos ficam pesados como blocos de concreto: entidades inertes, mortas, das quais não surge nenhuma vida. Nietzsche confessava haver se encontrado com o demônio, e que sempre que isto acontecia todas as coisas leves ficavam pesadas e caíam. O que o levou a afirmar que o demônio era o espírito da gravidade. Sinto o mesmo quando vejo as notícias da política. O que me leva a suspeitar que é aí que o demônio mora. Por mais que me esforce não consigo me lembrar da última vez que ouvi alguma coisa inteligente da boca de um político. Pois a marca de uma coisa inteligente é o seu poder para fazer o pensamento voar, abrir horizontes, tornar luminoso o mundo, sugerir alternativas e abrir caminhos novos para o pensamento e a ação.
        Não estou sozinho neste desencanto. Guimarães Rosa sentia a mesma coisa.Dizia que jamais poderia ser um político “com toda esta charlatanice da realidade. O curioso”, ele continua, “é que os políticos estão sempre falando de lógica, razão, realidade e outras coisas do gênero e ao mesmo tempo vão praticando os atos mais irracionais que se possam imaginar. Ao contrário dos legítimos políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. Sou escritor e penso em eternidades. O político pensa apenas em minutos.
        Eu penso na ressurreição do homem.” Confesso que a minha alma gozava melhor saúde no tempo da ditadura.Naqueles anos sombrios o pensamento brincava com a certeza de que aquilo não poderia durar para sempre. Era impensável que o horror durasse para sempre. Dietrich Bonhoeffer, numa das cartas que escreveu da cela da prisão de um campo de concentração nazista, conta que o prisioneiro desconhecido que o antecedera escrevera, na parede, a sua mensagem de esperança desesperada: “Dentro de cem anos tudo isto terá terminado.” Muitas vezes repeti a mesma frase, embora não me atrevesse a imaginar que o medo pudesse persistir por tanto tempo. O horror chegaria ao fim e, com ele, um novo tempo. “Apesar de você amanhã há de ser novo dia…”
        O pensamento dançava entre o absurdo e a esperança. De um lado o noticiário político anunciava o presente. Mas os poetas cantavam um futuro. O que fazia com que o presente fosse vivido como tempo de espera, como gravidez, expectativa escatológica.
        “Como dois e dois são quatro/ sei que a vida vale a pena,/ embora o pão seja pouco e a liberdade pequena./ Como teus olhos são claros e a tua pela morena,/ como azul é o oceano e a lagoa serena,/ como um tempo de alegria e por trás do terror me acena,/e a noite carrega o dia no seu colo de açucena,/ como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena…”
        (Ferreira Gullar)
        Era noite mas se podiam ver no horizonte as cores da madrugada.
        Por isto o pensamento era leve! Por isto as idéias voavam! Por isto se geravam utopias! Por isto – apesar de tudo – os poetas falavam e o povo cantava: “Caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais, somos todos irmãos…”. Não havíamos sido abandonados pela beleza.
        Mas este tempo passou. O tempo do horror chegou ao fim mas o que nasceu foi um novo horror.
        Nosso tempo está vazio. Os poetas estão silenciosos. É noite, sem nenhum anúncio de madrugada.
        Noite sem canções, noite sem sonhos.
        A psicanálise descobriu que nós somos sonhos feitos carne.
        Músculos, ossos, sangue: sólidas realidades físicas que não podem viver sem pão. Mas, como dizem os textos sagrados, “o homem não viverá só de pão”. Nossa carne precisa de sonhos para viver. São os sonhos que moram neste corpo que desenharão os seus gestos: se ele voará, leve, na direção das suas esperanças, construindo caminhos e pontes e plantando jardins, ou se se deixará afundar no charco da tristeza, fazendo apenas aquilo que a dura luta pela sobrevivência exige. “Sonho, logo existo.”
        Aquilo que é verdadeiro para os indivíduos também é verdadeiro para os povos. Santo Agostinho já sabia disto e dizia que um povo é o conjunto de pessoas que amam as mesmas coisas, que têm sonhos comuns. Muitos séculos mais tarde o sociólogo Durkheim iria repetir a mesma coisa, dizendo que um povo não se faz com coisas materiais. Um povo se faz com ideais, com esperanças partilhadas. Estava certo o poeta Tagore quando dizia que o povo pedia canções. Há de haver visões de beleza, utopias de jardins e de harmonia entre os homens e a natureza, esperanças de paz e tranqüilidade, e o sentimento bom de que se está construindo um mundo amigo a ser legado como herança aos nossos filhos.
        É por isto que os noticiários políticos só me causam náusea. Pois se noticia como se o destino do povo se tecesse nas artimanhas do poder. Mas um povo não nasce do poder; ele é uma criatura do amor. E o poder só tem sentido quando é uma ferramenta para a realização do amor.
        Daí a nossa tristeza, pois o povo não acredita que o poder esteja a serviço dos seus sonhos. E de tanto ver os seus sonhos abortados achou melhor deixar de sonhar. Mas não é isto que deveria ser um político?Aquele que, por ser do povo, sonha os seus sonhos e se dedica a transformá-los em realidade. Lembro-me das palavras de Miguel de Unamuno: “Pelo que me diz respeito, jamais de bom grado me entregarei, nem outorgarei a minha confiança a condutores de povos que não estejam penetrados na idéia de que, ao conduzir um povo, conduzem homens, homens de carne e osso, homens que nascem, sofrem e,ainda que não queiram morrer, morrem; homens que são fins em si mesmos, e não meios; homens enfim, que buscam a isso a que chamamos felicidade.”
        A esperança é de que, distantes da pantomima do poder, os sonhos não tenham morrido. Como na história da Bela Adormecida, eles dormem, mais profundos que pesadelos do cotidiano. E um dia acordarão. E o povo, possuído pela sua beleza esquecida, se transformará em guerreiro e se dedicará à única tarefa que vale a pena, que é a de transformar os sonhos em realidade. Esta é a única política que me fascina. Como o Guimarães Rosa, vivo na esperança da ressurreição dos mortos.

        Rubem Alves
        (Correio Popular, 28/01/1991)

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