Porque escrevo

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Perguntam-me porque escrevo
Creio que nasci sob o signo da escrita. O ato de escrever é tão inerente a mim, que não consigo separar-me dele. Escrevendo eu consigo entender o mundo, entender a mim mesma e à realidade que me cerca. Escrevendo me aproximo, sem timidez nem receio das pessoas.
Quando criança, ao apagar a luz do quarto, eu mergulhava num universo perfeito, imaginado ali mesmo, entre os lençóis da cama. E me viciei. O mundo de dentro era bem melhor que o de fora… Não necessitava de palavras, apenas pensamentos. Ah… aquela felicidade rara do silêncio dos peixes, das formigas, das borboletas. Elas viviam sem emitir qualquer som, e, no entanto se entendiam. E porque este medo da palavra verbalizada?
Ele existia porque minha língua era estranha. Meus amigos de carne e osso não a compreendiam. As palavras saíam titubeantes, entrecortadas, estrangeiras de minha boca.. .Isto quando já não morriam prematuramente na garganta. Ah… como eu quis então me comunicar emitindo apenas sons, feito os animais. Os sons agônicos me fascinavam. Mas, infelizmente eu nasci pertencendo ao reino dos humanos. E tive que superar minhas dificuldades. Abrir a boca e falar. Mas, antes disto, sentei à mesa e escrevi. Escrevi cartas para amigos imaginários. Escrevi confidências em diário trancado com uma chavinha de borda rendada. Escrevi contos que traduzia. Depois, histórias que eu mesma imaginei. Escrevi poemas. Escrevi estudos. Escrevi discursos. Escrevi crônicas. E não parei mais. Fiz da escrita meu norte. Meu porto seguro. Minha estratégia para fugir da solidão. Minha senha para entrar na casa de pessoas que de outra forma não contataria. Meu ritual para fazer novas conquistas. Para seduzir. Sim, seduzir. A escrita sempre foi minha arma secreta. As letras sempre me arrastaram para a vida. Sua força latejava em minhas veias. Seu exercício enfeitava-me mais do que qualquer roupa, qualquer jóia, qualquer adereço raro. Diferenciava-me na multidão. Minhas palavras escritas, pressentidas, eram como que flores perfumando o caminho em meio à neblina. E estrelas iluminando um céu nem sempre varrido de nuvens. Elas eram minha secreta e íntima melodia. Minha ligação com o divino em mim. Minha ligação com o divino de cada um que se aproximava de mim. Meus pensamentos transformados em escrita eram partículas de luz dançando dentro de meu corpo. De meu cérebro, de minhas entranhas. Eram unicórnios observando a lua refletida nas lagoas.
Eram princesas de longas cabeleiras douradas preparando-se para o florescer da paixão. Eram a eternidade colorida por mil arco-íris.
Eram montanhas esvoaçantes e árvores deslizantes. Eram o meu mistério. São o meu mistério. Meu jardim secreto. Meu sagrado, que tenho o privilégio de comungar com quem me lê.
Ludmila Saharovsky

     

    Dia das mães

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    Quando eu era criança, e o Dia das mães caia no dia 10 de maio, eu pensava que era por causa do aniversário de minha mãe. Vai ver…era mesmo! Hoje ela completaria oitenta e oito anos, mas, há trinta e sete, minha mãe faz festa naquela etérea estação do outro lado da vida, e eu, do lado de cá, comemoro a sua leveza de ser! Beijos, mãe!
    (Ludmila)

      

      Exercício para materializar lembranças

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      “A lembrança pura não tem data. Tem uma estação” ensinou-nos Bachelard, e ele estava certo!
      “Aquilo que a memória amou fica eterno” disse Adélia Prado. Mas, como alcançar esse território da eternidade e trazê-lo para o presente?
      Penso que recordar é uma outra forma de habitar o tempo, e o veículo que nos leva a ele é a saudade. Saudade de pessoas que foram importantes em nossa vida. Saudade de lugares, de cheiros, gostos, do timbre de uma voz. Saudade de uma determinada música que se alojou em nossa alma e não se desprende. Saudade de emoções, da infância, da juventude que passou voando! Um instante, um inspirar e expirar, apenas, e já se fez passado.
      “Minha alma é um bolso onde guardo minhas memórias vivas”, escreveu Rubem Alves. Pois a minha, lhes digo: é um trem carregado de reminiscências. Um trem daqueles em que os vagões se perdem na contagem, de tantos que são e, ao mesmo tempo, ele não passa de um vislumbre! Ele não passa de uma estrela cadente cortando os céus, como na música de Raul Seixas: “Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem/Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho éon/ Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem.” Olho o trem e não consigo toma-lo rumo ao passado! Não consigo aprisionar, materializar, sequer organizar minhas memórias, quanto mais torna-las vivas! Elas vão e vem ao seu bel prazer, e quando penso que, enfim, eu consegui aprisionar alguma, aí é que ela me escapa!
      Com o decorrer do tempo fui aprendendo que, para habitar o território das lembranças é preciso tornar-se mestre no ofício da imaterialidade. Se pensamento é energia pura, as lembranças ficam ali, no vácuo. Elas não são os pontos luminosos. Não! Elas são a sua sombra, por isso é tão complicado retê-las. Por isso lembranças não tem datas, apenas estações. Apenas emoções. E eu pratico. Fecho meus olhos e me deixo flutuar nessas estações, como quem não quer nada… Então, minha alma lança o anzol no mar da memória, e, na maioria das vezes, traz a pesada ausência enroscada nas algas do tempo, em seixos, em calhaus, em musgo. Até livrar-me disso tudo, a ausência já escapou, não teve tempo de virar presença, mas, algo ficou no ar, feito um sopro ecoando no silêncio, que me estremece, me arrepia, roça meu íntimo, suavemente, e se esvai. É assim, feito o farfalhar da seda que não toco, mas adivinho, leve! Ah! A insustentável leveza das recordações! Creio que é por isso que escrevo tanto! As palavras tem o poder, tem a magia de materializar lembranças no papel. Palavras são feito pedras que atiramos no lago e que vão formando aqueles círculos visíveis, que vão se abrindo mais e mais e se permitem ser tocados, quando a pedra que os provocou, já nem tem mais importância alguma.
      Todo esse texto, essas reflexões, são para trazer, você, minha mãe, à essa estação que sua ausência criou em mim, e que as lembranças jamais preenchem, e que as saudades jamais saciam, e a eternidade não consegue aproximar…
      Ludmila

        

        Jacareí: Tempo e memória

        Foto da avó Nicota (Ana Rita Leite Gehrke) gentilmente cedida por Jussara Gehrke

        Foto da avó Nicota (Ana Rita Leite Gehrke) gentilmente cedida por Jussara Gehrke

        Amigos me estranham. Sumiu porquê?
        Sumi não…é que estou em gestação, respondo! Gestando um novo livro que me tem envolvido em seu enredo.
        Aliás, estou numa viagem no tempo. No tempo passado. Revisito lugares, me encanto com fachadas de casarões que redescubro e de pessoas que os habitaram. E vou encontrando jardins e sacadas, sentindo cheiros bons de licores caseiros, servidos em varandas ensolaradas ao cair da tarde.
        Hoje, estive com dona Nicota, no Botequim do Café, que ela abriu lá no Mercado Municipal, provando seu delicioso bolinho caipira. Gente, que delícia! Recomendo muito o endereço! A receita? Bom…isso é uma outra história! Depois fui à beira de nosso Rio Paraíba conversar com as lavadeiras. “Quanto é pra lavar um cesto de roupas, comadre?” “ A senhora dá o sabão?” “Não! Pode incluir o sabão” “Então é dez tostões a baciada… “ Passo, na volta, na Rua da Biquinha e encho meu cântaro de água cristalina, que ofereço a vocês. Estão servidos?
        Ontem comprei massa, na Fábrica de Macarrão dos Lencioni, na esquina dos Quatro Cantos, verdadeiro pedacinho da Itália no coração de Jacareí. Lá estão instalados também os Zonzini, com sua venda de secos e molhados ( o vinho tinto importado, que fica nas cartolas, lá no depósito é fantástico…recomendo!) os Mercadante, os Tarantino, os Perreti, o Scavone, atendendo garbosos cavalheiros em sua barbearia (olhei de soslaio e creio que o Dr. Pompílio estava lá, fazendo a barba!), e mais adiante a família Marino, com seu açougue. “Tutti Buona gente!”
        Daqui a pouco, vou me arrumar para ir à Estação, ver o trem passar…Quem sabe vejo aquele rapaz simpático que sempre vai à Capital, e, me acena da janelinha…E, à noite, não posso perder a apresentação da Orquestra Sinfônica dirigida pela maestrina, dona Dionisia Zicarelli. Estão vendo como tenho ocupado meu tempo?
        Então, se quiserem encontrar-se comigo, é só ir até a Rua Direita, que, com certeza irão me achar…ou ir até o Beco do Caranguejo! De lá, no Morro do Marreli é um pulinho!
        Até mais, amigos!
        (Ludmila)

        PS. Esses e outros personagens estarão contando suas histórias sobre Jacareí, e dando mil e uma receitas deliciosas nesse livro que escrevo…mas, só para abrir seu apetite, aí vai a receita do licor de leite, do “Diário de 1946” de Dona Cida Cortez.

        1 litro de leite, 1 garrafa de álcool de cereais, 1 kilo de assucar, 2 favas de baunilha, 2 pares de chocolate, rodelas de limão.
        Depois de fervido o leite junta-se o álcool, assucar, o chocolate ralado e a baunilha em pedaços; por último as rodelas de limão. Deixa-se em infusão 9 dias, mexendo-se todos os dias. Passa-se em escossia e filtra-se.
        Gostaram? Pois no livro terá bem mais…Aguardem!

           

          Fantasmas…

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          Indumentária

          – Por que os fantasmas sempre aparecem vestidos? Sendo a morte um segundo nascimento, por que não surgem ao natural, tal como vieram a este mundo? Será que o Outro Mundo tem desses puritanismos? Nada disso! É que os fantasmas ficam com vergonha de que a gente descubra que as almas não têm sexo.

          Mario Quintana – Da Preguiça como Método de Trabalho, 1987.
          (Imagem de A lifetime Photography)

            

            Carlos Herglotz

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            Estou muito feliz em fechar o mês de abril com chave de ouro, apresentando a vocês, este grande artista naif que é Carlos Herglotz. Suas pinturas, onde predomina, radiante, o azul cobalto, pelo visto, sua cor predileta, são de um lirismo e delicadeza ímpares. Minimalista na escolha de seus enfoques, ele contrapõe a eles, uma riqueza de detalhes tão primorosa, que nos obriga a ver nas entrelinhas. Seus quadros nos convidam a entrar em suas imagens e brincar nos labirintos coloridos que estampa.
            O azul nos alicia e hipnotiza. Difícil despregar o olhar de seus desenhos.
            Eu aprecio demais a arte primitivista. Ela flui nas pinturas com toda a inocência da natureza humana em seu estado de pureza original, e, ao mesmo tempo, percebe-se em cada artista, a sua própria visão de mundo e interpretação da realidade. E, a visão de mundo que Carlos Herglotz nos passa, é de fé e de esperança. Que a arte, pois, sempre nos redima! (Ludmila)

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            Breve história pessoal
            Carlos Herglotz nasceu em Taubaté, Vale do Paraíba. Lecionou arte e artesanato pra gente jovem, gente idosa, surdos-mudos, presidiários, ricos, pobres. Agora ensina os artesãos a preservar seus ofícios e tradições.
            Apaixonado por Francisco de Assis e seus ideais, foi também frade franciscano.
            Já viveu em São Paulo, no Paraná, em Sta. Catarina e no Rio Grande do Sul. Esteve um tempinho também nos Estados Unidos.
            Ultimamente, passou um bom par de anos em Minas Gerais. Ah! Minas Gerais… As belezas da terra, das serras, da gente e da tradição.Tudo isso calou mais fundo ainda em seu coração. E é essa emoção acumulada que transborda em suas pinturas. Apresentação retirada do blog www.carlosherglotz.blogspot.com.br

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              E quando a palavra não existia?

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              E quando a palavra não existia?
              Quando pedra era pedra, simplesmente, reconhecida em sua essência pelo toque? E noite era noite, e chuva era chuva, e ave era ave, e as emoções que provocavam permaneciam agarradas aos nossos ossos e medulas e passavam a fazer parte de nosso inconsciente? Nesse tempo as palavras dormiam no silêncio da mente e não faziam falta. Tudo podia ser reconhecido pela cor, som, odor, energia, movimento. A cor falava aos sentidos: o homem pintava-se de vermelho e buscava ação. Dela nasciam o ardor e os impulsos, e as conquistas iam se realizando.
              O amarelo remetia à alegria, à exuberância, ao sabor doce das frutas maduras: o calor do sol incitando à vida.
              E vinha o aconchego do verde, a relva, a cama de folhas macias, o olhar vagando pelos campos infindáveis sem sustos nem atropelos.
              E no azul do céu e do mar, estava o desprendimento, o infinito, o sonho, o desejo das profundezas e das alturas.
              O marrom era a cor do campo lavrado, do cansaço ao final do dia, da magia das sementes germinadas no útero da grande mãe, a terra.
              E o negro manto do mistério recobria tudo: a noite, a caverna, o medo, os demônios, os assombros, até surgir o branco da lua, da clareza, da luz difusa, dos momentos de paz quando tudo se aquietava e o homem observava o céu buscando nortear-se pela disposição dos astros!
              Não sei se foi realmente o Verbo que criou tudo o que existe. Penso que ele nomeou as coisas que havia e então começou nosso delírio! Colocamos nas palavras um peso e uma importância que elas não podem suportar…
              Quem sou eu? Ninguém mais se identifica como a energia que permeia a forma. Ninguém se reconhece como a semente que se fez corpo composto por terra, fogo, água e ar. Por luz, cor e fantasia!
              Palavras não rompem cercas nem libertam. Elas não gemem nem choram. Não nos envolvem nos tons do arco-íris. Não nos perfumam. Não nos refletem. Não nos redimem.
              Palavras não desvendam os segredos dos oráculos. Estes se revelam nos ossos, nas vísceras, nas pedras, no fogo, na areia, nas sementes… Quiçá nas estrelas!
              Mais vale um aceno! Mais vale um beijo, um abraço, um soco, um uivo, um sorriso, um cheiro.
              “Ao criar uma palavra para cada coisa substituímos as coisas pelas palavras” já descobriu Foucault. E então mergulhamos na ilusão, mergulhamos em maya.
              A vida é dominada pela ação em si, e não pela palavra!
              Mas, basta reconhecermos em nós que a palavra é uma falácia, que o verbo nomeia mas não revela a essência, e que é no silêncio que ouvimos a voz de nossa alma, e então as cores, os sons, a luz e o movimento nos levarão para aquele outro lado, onde o verbo não se faz carne, mas assim mesmo nos habita!
              (Ludmila Saharovsky)

                

                Cora CoraLINDA

                Cora Coralina
                Livro e autógrafo de Cora Coralina, nossa poeta tão festejada, e que terá sua vida e obra trasportada os palcos, ano que vem, pela Cia. do Interior, com a direção segura de Marilda Carvalho e interpretação sempre talentosa de Ana Maturano. O projeto encontra-se em fase de pesquisa de historia e produção intelectual de nossa querida poeta dos becos de Goiás. Sucesso, amigas!( Ludmila)

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