Contos Mínimos: O mágico

Após demorada espera na longa fila da agência de empregos, finalmente chegara a sua vez. Encaminhou-se para a diminuta escrivaninha e forneceu os dados de costume: nome, idade, CIC, RG, endereço, profissão. Preenchidos os formulários, ouviu da indiferente funcionária que, tão logo precisassem de um mágico, entrariam em contato.
“Peça ao próximo que entre!” escutou a voz, atrás de si, enquanto, desanimado, atravessava a parede e a fileira de bancos da sala de estar.
(Ludmila)

    

    Palavra de Mulher

    Amigos!
    Aí está o convite para o segundo Sarau Literário das escritoras do Vale do Paraiba, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher.
    O primeiro pode ser visto acessando o link
    http://escritorasdovaledoparaiba.blogspot.com/p/sarau-2011.html
    Nós escrevemos para vocês, assim, sua presença é muito aguardada!
    Grande abraço e toda a minha alegria por ser uma das homenageadas nesse evento.
    Ludmila

      

      Contos Mínimos: Anunciação

      Diariamente observava a mulher, de sua solitária ilha, o nascer do sol. E o dia caminhava sem sobressaltos.
      Mas à noite…Ah! À noite, quando o Cruzeiro do Sul pontuava com sua geometria luminosa o céu tinto de negro, ela abria suas longas asas e voava para a outra margem. Ia velar o sono do homem, que, sem testemunhas oculares, acordava plenamente convencido daquela anunciação.
      Ludmila em Contos Mínimos

          

        Gaia


        “Eu estou apaixonado / por uma menina Terra / signo de elemento Terra / do mar se diz Terra à vista / Terra, para o pé firmeza / Terra, para a mão carícia / Outros astros lhe são guia /Terra, terra”…
        (Caetano Veloso)

        Gaia, Geia, Terra, Mãe. Mãe Terra.
        Na Mitologia grega, ela nasceu imediatamente depois do Caos, a desordem primordial do Mundo e, sozinha, gerou o Céu, as Montanhas e o Mar. Adorada como divindade pelos antigos, a terra era respeitada como fonte de toda a vida. Em seu ventre fecundo sementes transformavam-se novamente em árvores e frutos. De suas entranhas jorrava a água que aplacava a sede de homens e animais, irrigava plantas, fornecia alimento, permitia desbravar novos horizontes. Em seu louvor ergueram-se templos e se fizeram sacrifícios. Ela sempre ofereceu a seus filhos alimento e abrigo. Passou-se o tempo, e o homem afastou-se do espírito divino que ela encarnava. O pensar científico enterrou a intuição e a comunhão com a terra, até que, em 79, James Lovelock, um cientista inglês, criou a Hipótese Gaia, voltando, de certa forma, às origens, ao afirmar que nosso planeta é um corpo vivo, e que os oceanos, massas terrestres, ar e as distintas formas de vida são seus órgãos. “As condições químicas e físicas da superfície da Terra, da atmosfera, e dos oceanos tem sido, e continuam a ser, ajustadas ativamente para criar condições confortáveis para a presença de vida, pelos próprios elementos viventes. Isto se coloca em sentido oposto ao saber convencional que considera ocorrer o contrário, que a vida adaptou-se às condições planetárias existentes na Terra”. Ao entendermos isso começamos a divagar e a questionar: Se a Terra é um ser vivo, como devemos compreender a Vida? Nós também seríamos uma parte de seu sistema? Há uma grande diferença conceitual entre sermos parte dela ou sermos meramente hóspedes em sua superfície. Hóspedes predadores! E, praticante da escrita que sou, plantadora de sementes/palavras, divago e vou um pouco mais longe, quando percebo que o exercício da agricultura e o da literatura confundem-se. Ambas manejam energias de vida e possuem a mesma função e intenção: Pelo sopro criativo do verbo surgiu o mundo e todas as forças que o compõem. Pela vocação maternal de Gaia, o planeta pode criar, de si, a vida e a natureza.
        Pela força viva da palavra, o homem pode disseminar a cultura e compreender a si próprio e à sua primitiva matriz de vida: o barro do qual surgiu. Aliás, a palavra cultura provém do termo latino, “cultus”, utilizado pelos romanos para nomear a ação do camponês de preparar a terra, de criar uma série de condições para plantar sementes que pudessem crescer e florescer. E escrever é apenas outra forma de semear: informações, idéias, conceitos, que no terreno fértil das mentes receptoras, transformam-se em flores e em frutos do saber. Cultivar é um verbo mágico, é um verbo único que obedece a ritos, regras, estações, cuidados e exigências. Obedece, principalmente, aos ritmos imutáveis da vida e da morte. Da terra viemos e para ela retornaremos: útero e túmulo de toda a vida que nela se perpetua.
        (Ludmila Saharovsky)
        (Crônica publicada no jornal Valeparaibano, SJcampos)

           

          Contos Mínimos: As pedras de Drummond

          Fui recolhendo as pedras que Drummond deixou pelo caminho.
          No princípio guardei-as em caixas.
          Depois enchi baús, armários, canastras, gavetas, prateleiras.
          Espaços ocupados, passei a empilhá-las pelo chão.
          Com o passar do tempo surgiu em casa imensa cordilheira.
          Hoje resolvi: comprei botas, mochila, cordas, mantimentos.
          Ao nascer do sol, inicio a escalada!
          (Ludmila)

          PS. E vocês, o que fariam com as pedras deixadas por Drummond?

             

            Entrevista

            Entrevista de Ludmila Saharovsky
            Para o jornalista Dailor Varela

            1.Para o que serve a poesia? Você já pensou que a poesia pode ser o ópio do poeta?
            LS. A poesia serve para expressarmos o sagrado através da palavra e através dela nos redimirmos. Não. Ópio, como qualquer vício, aprisiona. A poesia, pelo contrário, liberta!

            2.Seu último livro publicado foi em 83 (Te sei) Por que tanto tempo sem publicar?
            LS. Te sei é meu primeiro livro solo, que foi reeditado três vezes. Fui publicada em diversas antologias, jornais, revistas, postais-poemas, folhetins, no Brasil e também fora dele. Tive meus textos transformados em oficinas de linguagem poética, peças de teatro, balé, teses universitárias, Cds. Por conta deles, ganhei uma Biblioteca Universitária (Faculdade Tereza Porto Marques) batizada com meu nome. Hoje, meus escritos encontram-se espalhados em inúmeros sites e página na Internet e prossigo publicando crônicas em jornais e revistas. Talvez por isso não sinta essa ansiedade em lançar livros, se bem que esteja com alguns prontos.

            3.Pelo que conheço de sua poesia, você se inspira tanto no sagrado quanto no profano, com forte conotação erótica, como em alguns poemas do Te Sei e em outros inéditos, como em seu No Útero de Deus, que já tive a oportunidade de ler. Por que esses caminhos tão diferentes?
            LS. O sagrado e o profano, para mim são faces da mesma moeda. A Vida surgiu gerada por uma grande energia criadora que se fragmentou em partículas que estão sempre se agregando. Eu entendo o erotismo como essa paixão pelo vir a ser.

            4.Da década de 80 para cá, você não acha que o Vale do Paraíba foi vítima de um processo de decadência cultural?
            LS. Dailor, a humanidade caminha em ciclos desde que o mundo é mundo. Os tempos atuais são de decadência de todos os valores humanos que aprendemos a respeitar: éticos, morais, sociais, intelectuais. Isso é global e irreversível.

            5.Você foi presidente da Fundação Cultural de Jacareí. Foi “expulsa” por não concordar com certas falcatruas da então administração municipal. É uma página da vida cultural do vale que poucos conhecem. Conte pra gente o que aconteceu.
            LS. Dailor, sabe aquela antiga e batida frase “águas passadas não movem moinhos?” Pois então! O que acontece na vida da gente, é que os momentos mais difíceis nos servem de reflexão e de parâmetros para descobrirmos quem realmente somos; para aprendermos certas lições e não repetirmos mais os mesmos erros. O que eu aprendi daquele doloroso episódio foi que, infelizmente, não existem administrações municipais, estaduais, federais, eclesiásticas, acadêmicas, hospitalares, desportivas, artísticas, classistas, sem falcatruas. Há sempre um caminho nebuloso e suas ofertas tentadoras de enriquecimento e de poder. O que existe é gente que se vê atraída por ele e o segue. Eu não consigo, não consegui e nem conseguirei compactuar com o ilícito, por isso serei sempre um ET nesses ambientes, ou, se preferir, uma carta fora do baralho de todos aqueles que exercem o poder sem se preocupar com valores que eu professo.

            6.Se você encontrasse com Deus, no centro de Jacareí, o que diria para ele?
            LS. Pediria que ele desse um grande abraço na Deusa Mãe, sua divina-metade.

            7. “Viver é melhor que Sonhar?” como diz Belchior?
            LS. Não sei…. “E se formos todos um sonho na mente de um deus adormecido”, como prega a filosofia hindu?

            8.Defina solidão
            LS. É uma ferramenta imprescindível para a auto-descoberta

            9.Tem medo da velhice?
            LS. Não. Tenho medo da decadência física e mental, em qualquer idade.

            10.Onde você se sente mais livre e solta, na prosa ou na poesia?
            L.S. A literatura, em geral, me liberta. Quer criando, quer participando da criação do outro, através de leituras.

            11.Pelo menos no Vale do Paraíba, as mulheres são melhores poetas do que os homens. Será que a poesia é feminina?
            LS. A poesia é a linguagem da sensibilidade, e a sensibilidade é a linguagem da alma. Talvez, no presente momento, haja mais mulheres exercitando a linguagem poética aqui entre nós, mas tenho muitos amigos, você dentre eles, que são grandes e inspirados poetas.

            12.É conhecida sua paixão por Clarice Lispector. O que lhe apaixona mais na escrita dela?
            LS. A maneira pela qual ela consegue despir os signos de sua roupagem usual e rebatizá-los com novos e insuspeitáveis significados que nos incitam a transpor seu texto e ir além. Clarice é a mais instigante escritora deste século e, finalmente, está tendo o reconhecimento que merece, no Brasil e além de nossas fronteiras.

            13.Você é uma pessoa esotérica. O que lhe faz crer que há vida após a morte?
            LS. Creio que é justamente a falta desta certeza que me faz mergulhar nos mistérios da vida e da morte, buscando uma razão para a existência humana. A complexidade do Universo me assusta e me fascina ao mesmo tempo. Viver e morrer são milésimos de segundos nesse Corpo Divino que habitamos. O que me fascina mesmo, é a transcendência!

            14.“O inferno são os outros” disse Sartre. O que você acha?
            LS. Creio que nós criamos nosso próprio céu ou nosso inferno. Os outros são o nosso reflexo no espelho.

            15.E o Céu?
            LS. O céu é a liberdade extrema de eu me aceitar como sou, compreender as minhas falhas, perdoar-me e seguir em frente sem medo de errar e recomeçar quantas vezes for preciso, nessa escola que é a vida.

            16.A felicidade existe? Como? Quando? Por que?
            LS. Felicidade é um exercício constante de praticar a insustentável leveza de ser. É dar conta, a cada dia, com dignidade, de seu fardo. É viver no mundo sem ser do mundo, pois tudo aqui é transitório e nada nos pertence. Como, quando, porquê,não sei definir, mas encorajo cada um a praticar. Vale a pena, e a alma não se apequena!

            17.Como você entrou na era da informática? Logo você que tem a letra tão linda?
            LS. Ah!Dailor! Como toda e qualquer novidade, a princípio a informática me assustou, depois fomos nos conhecendo, reconhecendo, e hoje não conseguiria mais viver sem o meu computador.

            18.Acredita em ET?
            LS. E você acredita que nesse nosso universo composto por trilhões de galáxias, somos os únicos seres inteligentes? Ora! seria muita pretensão, para não dizer, ignorância.

            19.Você vive, faz tempo, em Jacareí. Defina Jacareí.
            LS. Jacareí é minha aldeia, meu mapa, minha geografia. Eu amo esse Vale por onde corre o Rio Paraíba, nosso rio de curvas desnecessárias, mas tão belas; o azul da Mantiqueira que nos emoldura. Amo a Serra do Mar, também tão próxima e altiva. Amo as quaresmeiras, os ipês que enfeitam minha rua. Amo os pássaros que me despertam com seu alarido a cada manhã. Aqui tenho meu mundo, meu lar, meus amigos, meus vizinhos. Aqui eu sou feliz.

            20.“A mulher é o negro do Mundo” (Yoko Onno). Você concorda?

            LS. Seria bom se fosse, porque Black Is Beautiful

            21.Você está se aventurando por um romance. Pode falar-nos algo sobre ele?
            LS. Sim, desde que voltei de minha última viagem à Rússia, onde passei quatro meses pesquisando, escrevo “Tempo Submerso”. É uma obra de ficção onde misturo a história de minha própria família, assassinada nos Gulags Stalinistas, e a história mais recente do povo Russo. É um exercício de catarse, dolorido, forte, e ao mesmo tempo tenro e poético. Creio que resultará num livro interessante!

            (entrevista publicada no jornal O Grito)
            Dailor Varela, sempre abriu espaços generosos na mídia para mim, desde que nos conhecemos, na década de oitenta. Essa, é uma das últimas entrevistas que lhe dei. Um beijo, Dailor e, para sempre, a minha amizade! (Ludmila)

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