Silêncio


Silêncio.
Nutro-me do silêncio.
Mergulho em suas profundezas, onde águas abissais envolvem-me e me sustentam com suas liquefeitas asas.
Algas, medusas, corais e seixos compõem este cenário suspenso, enquanto milhares de olhos me espreitam e brilham feito estrelas, feito nebulosas na calma imensidão do Eterno. Tudo se reduz ao lento exercício de intuir o além, que se estende e se alonga, infinito…
Silêncio.
Nenhuma voz a me enviar mensagens, nem som algum, qualquer aragem. Apenas essa cor azul cobalto, que me embala com suas ondulações mornas e lenientes.
E, de repente, uma pedra atirada rompe o encanto. Rompe os círculos concêntricos do útero marinho que me contem, que me isola nesse breve instante no qual concentra-se a existência.
Um ruído oco e tudo se desfaz!
Meu grito rompe o silêncio, enquanto o útero do tempo me devolve à vida!
(Ludmila)

     

    Gavetas e gravetos


    …a gaveta cheira a guardado. E no fundo, canto direito, herança da meninice, jaz um pequeno baú e seus tantos segredos. Entre inúmeros bilhetes de amigos, encontro um pequeno papel,recortado, de bordas coloridas. Uma dobradura rudimentar que se abre e abre, até formar, dentro de quatro pétalas, um coração atravessado por uma flecha, e duas iniciais. Ah! as coisas extraordinárias que nos chegam às mãos, quando resolvemos visitar o passado! Desde trevos ressequidos aguardando a prometida sorte que passou por nós (passou mesmo?) até um graveto, delicadamente embrulhado em papel toalha, amarelado, da frondosa árvore sob a qual trocamos aquele primeiro beijo e o corpo descobriu a alquimia das águas! Mais: três moedas chinesas, com um orifício no centro, que eu achei tão estranhas e bonitas e você me ofertou! (um tesouro raro) Mais: o escaravelho verde esmeralda, completamente mumificado, estilhaços de um pequeno espelho que refletiu, quem sabe, pequenas transgressões, já que as grandes não se guardam em gavetas para a posteridade! Diante desses ícones do passado, desses sargaços envolvidos na rede da saudade, os sentidos reclamam da falta de visitas à infância e adolescência, que simplesmente deixamos de lado, como a uma agenda antiga, sem serventia, mas da qual não nos desfazemos, não me pergunte porquê!
    Urge nomear um guardião para essas memórias! Um outro em nós, que revolva periodicamente caixas e baús e nos guie, pelo fio de sentimentos abandonados, de volta ao nosso próprio labirinto, onde nossa juventude interna teima em se conservar intacta e indecifrável em seus anseios. Quanta vida não resgataríamos! Tantos retratos esmaecidos pelo tempo, impressões digitais pousadas nas cartas, antigas cadernetas escolares, as notas vermelhas gritando outras noturnas opções que nos permitiam o estudo de inusitados rios e cordilheiras com exercícios de química e física quase quântica! Aqui, um ingresso para cinema com o telefone anotado, ali um lenço masculino outrora impregnado pelo aroma do “Lancaster” hoje apenas pressentido, pairando sobre ele feito aura, medalhas conquistadas no vôlei escolar, o cartão das primeiras rosas recebidas, cujas pétalas conservam-se transparentes no envelope, lembranças mutiladas, quase desfeitas. Ah! E o papel cor de maravilha do sonho de valsa, que me fez, verdadeiramente, dançar de felicidade!
    E os olhos? Nossos olhos de antigamente, sonhando um futuro que passou tão rápido que já se fez passado! Como era instigante olhar para dentro do tempo e imaginar a vida florescendo em nós, estendendo-nos um tapete de relva verde, sempre macio, que iria recolher nossas pisadas. Onde você perdeu-se de mim, neste passado?
    Bom…as vezes o universo conspira e reencontros acontecem!
    (Ludmila)

      

      A Universidade dos pés descalços

      http://www.ted.com/talks/lang/pt/bunker_roy.html#.Tty9NE-cDhE.facebook

      Creio que este vídeo é uma lição de que, as dificuldades em nossa vida são mais fáceis de se resolver do que pensamos.
      Basta querer e agir…mas não! Nós acreditamos que é mais fácil brigar, criticar, combater, instigar a violência, colocar a culpa no outro, cobrar atitudes políticas de quem está interessado apenas em si próprio e seu reduzido grupo de incompetentes, xingar, acusar, fazer filantropia. Assim, o tempo passa e o mesmo círculo vicioso de atitudes perpetua-se no mundo. Aí está o exemplo de que existem maneiras, outras, de se enfrentar e resolver problemas…

        

        Iemanjá na Bahia

        Essas fotos lindas são de minha amiga Jussara Gehrke, que mora em Salvador, na Bahia e teve o privilégio de acompanhar os festejos de Iemanjá, da praia que frequenta.
        Mais fotos e matérias em seu blog; http://juju-ano4.blogspot.com

        A FESTA DE YEMANJÁ (excerto)
        Antonietta de Aguiar Nunes (*)

        “Dia 2 de fevereiro – dia de festa no mar”, segundo a música do compositor baiano Dorival Caymi. É o dia em que todos vão deixar os seus presentes nos balaios organizados pelos pescadores do bairro do Rio Vermelho junto com muitas mães de santo de terreiros de Salvador, ao lado da Casa do Peso, dentro da qual há um peji de Yemanjá e uma pequena fonte. Na frente da casa, uma escultura de sereia representando a Mãe d´Água baiana, Yemanjá. Desde cedo formam-se filas para entregar presentes, flores, dinheiro e cartinhas com pedidos, para serem levados à tarde nos balaios que serão jogados em alto mar.
        É única grande festa religiosa baiana que não tem origem no catolicismo e sim no candomblé. (Dia 2 de fevereiro é dia de N.Sra. das Candeias, na liturgia católica, e esta Nossa Senhora é mais freqüentemente paralelizada com Oxum, a vaidosa deusa das águas doces).
        Dois de fevereiro é – oficiosamente – feriado na Bahia. É considerada a mais importante das festas dedicadas a Yemanjá, embora Silva Campos narre que antigamente a mais pomposa festa a ela dedicada era a efetuada no terceiro domingo de dezembro, em Itapagipe, em frente ao arrasado forte de São Bartolomeu (SILVA CAMPOS, 1930;415). Odorico TAVARES (1961;56) narra que, nos outros tempos, os senhores deixaram seus escravos uma folga de quinze dias para festejarem a sua rainha em frente ao antigo forte de São Bartolomeu em Itapagipe. QUERINO (1955;126/7) confirma ser na 3a dominga de dezembro a festa comemorada em frente ao antigo forte de S.Bartolomeu, hoje demolido, “à qual compareciam para mais de 2.000 africanos”. Tio Ataré era o pai de santo residente na rua do Bispo, em Itapagipe, que comandava os festejos. Reuniam os presentes em uma grande talha ou pote de barro que depois era atirada ao mar. A festa durava quinze dias, durante os quais não faltavam batuques e comidas típicas baianas, com azeite de dendê. Hoje a festa do Rio Vermelho dura só o dia 2, prolongando-se pelo fim de semana seguinte, quando próximo.
        Às 4 da tarde é que saem os barcos que levam os balaios cheios de oferendas a serem lançados em alto mar. Quando as embarcações voltam para a terra os acompanhantes não olham para trás, que faz mal. Diz a lenda, que os presentes que Yemanjá aceita ficam com ela no fundo do mar, e os que ela não aceita são devolvidos à praia pela maré, à noite e no dia seguinte, para delícia dos meninos, que vão catar nas praias os presentes não recebidos por ela.
        AMADO (1956;136) conta que se Iemanjá aceitar a oferta dos filhos marinheiros é que o ano será bom para as pescarias, o mar será bonançoso e os ventos ajudarão aos saveiros; se ela o recusar,… ah! as tempestades se soltarão, os ventos romperão as velas dos barcos, o mar será inimigo dos homens e os cadáveres dos afogados boiarão em busca da terra de Aiocá.

        (*)Historiógrafa do Arquivo Público do Estado e Professora Assistente de História da Educação na FACED/UFBa
        http://www.faced.ufba.br/~dept02/calendario/yemanja.html

          

          Salve Iemanjá! Mãe das águas!

          Hoje é dia dela. De nossa Mãe de todas as águas! Salve suas forças, Iemanjá! Sua bênção, Senhora!

          Sincretismo significa fusão. Sincretismo religioso, portanto, é a fusão de diversas concepções religiosas, ou, a influência exercida por uma religião na prática de outras. No Brasil, o sincretismo religioso foi utilizado por negros e índios como auto defesa contra os padres jesuítas que os obrigavam a aceitar o batismo e a imposição da fé católica. Mas, como impor um novo deus a um povo que crê, teme, adora e reverencia há 5.000 anos suas próprias divindades?
          Mediante essa situação, a Igreja Católica enfrentou, no período de colonização do Brasil, um delicado dilema. Ou reprimia as manifestações religiosas dos escravos e lhes impunham à força o paradigma cristão, ou poderia fazer vista grossa aos cantos, batuques, danças e rezas ocorridas nas senzalas.
          A repressão acarretava muitos problemas, para ambos os lados, mas, principalmente para os povos dominados. Durante o período da Escravatura no Brasil, nas senzalas, para poderem cultuar os seus Orixás, Inkices e Voduns, os negros foram obrigados a usar como camuflagem altares com as imagens de santos católicos, cujas características melhor correspondiam às suas Divindades Africanas, e por baixo desses altares escondiam os assentamentos dos Orixás.Assim, para driblar essas coerções, os negros passaram a organizar suas manifestações religiosas em dias-santos católicos, reverenciando, no entanto, as suas próprias divindades.
          Muitos escravos, mesmo se reconhecendo como cristãos, não abandonaram a fé em seus orixás. Isso explica porque vários santos católicos equivalem a determinadas divindades de origem africana.
          Assim, a Umbanda brasileira começou a se formar já em 1530, e, de lá para cá difundir-se, com força, por todo o Brasil.


          Dias Orixá Sincretismo

          15/01 Oxalá Jesus Cristo
          20/01 Oxóssi São Sebastião
          02/02 Iemanjá Nossa Senhora dos Navegantes
          19/04 Logun Edé Santo Expedito
          23/04 Ogum São Jorge
          30/05 Obá Santa Joana d’Arc
          13/06 Exú Santo António
          24/06 Xangô São João Baptista
          26/07 Nanã Sant’Ana
          24/08 Oxumaré São Bartolomeu
          27/09 Ibeji Santos Cosme e Damião
          05/10 Ossaim São Roque
          02/11 Omulú São Lázaro
          04/12 Iansã Santa Bárbara
          08/12 Oxum Nossa Senhora da Conceição
          13/12 Ewá Santa Luzia

          Aqui no Rio Grande do Sul, principalmente na cidade de Rio Grande, dia 2 de fevereiro é muito comemorado. Na Praia do Cassino acontece o culto à Iemanjá, com presença maciça de populares e pais e mães de santo que ocupam a praia com seus batuques e oferendas.
          Já o centro da cidade acompanha a procissão marítima que segue pela Lagoa dos Patos, transportando a Nossa Senhora dos Navegantes, da cidade vizinha de São José do Norte. Este ano, a festa católica completa sua 201a procissão.

            

            Para Alecsia

            Hoje é aniversário de minha florzinha mais linda: Alecsia!
            De presente, para ela, transcrevo esse continho que escrevi no inverno, alguns anos atrás. Beijos, beijos, muitos beijos, meu amor! (vovó Lud)

            Uma história para Alecsia

            Já era de manhãzinha, mas de manhãzinha de julho fria, fria…e o Sol, coberto até o pescoço pelo edredom feito de nuvens fofinhas, não queria saber de levantar!
            Levanta, Sol! piaram os passarinhos…
            Acorda, Sol! escreveram no céu as borboletas com suas azas multicoloridas, louquinhas para começarem a brincar de esconde-esconde no meio das roseiras…
            Cadê o Sol? Ruminaram com suas antenas as formiguinhas, saindo para construir uma nova estrada na grama do jardim. Uma estrada comprida, comprida por onde elas iam levar para o formigueiro um monte de folhinhas, gravetos e sementes.
            Acorda. Sol! Latiu a Salomé, buscando um pedaço de chão quentinho para deitar e tirar outra soneca, pois a noite foi cheia de aventuras correndo atrás dos gatos dos vizinhos! Mas, para o desespero de todos, o Sol…. Nada de acordar!
            Os girassóis estavam sem poder brincar de roda, o mamoeiro sem tomar seu banho de bronzeamento, as samambaias sem ter como secar suas longas cabeleiras molhadas pelo sereno da noite, e as estrelinhas do céu, cansadas de brilhar, estavam quase desmaiando de sono. O Sol não levanta, reclamavam…sem poder ir dormir junto com o dragão que vive do lado de lá da Lua.
            “Vovó, cadê o Sol”, perguntou Alecsia, curiosa, louca para aproveitar o primeiro dia de férias e brincar de casinha no jardim. A vovó se levantou, olhou pela janela e viu o malandrinho do Sol roncando de dar gosto no céu, lá atrás da Mantiqueira! “Mas…o que será que houve”? pensou a vovó em voz alta… “Será que o Sol se resfriou? Será que congelou de frio, já que arder de febre, para ele, não era ficar doente! Ele já ardia todos os dias, senão não seria Sol!” “Ah! Já sei…”disse Alecsia! “Acho que ele foi na festa de aniversário de São João e ficou muito cansado..”.É! Pode ser! Teve fogueira, teve rojão, quadrilha, quermesse… festa a noite inteira!” “É…e eu acho que o Sol foi casar com a Lua!” “Verdade”? “E todas as estrelinhas foram madrinhas…” “E São Pedro?” “Ah…ele foi o padre!” “Ta certo!” “Então vamos deixar o Sol dormir mais um pouquinho, não é mesmo?” “Vovó…ele não está dormindo… ele já está se espreguiçando…olhe lá um bracinho dele brilhando na grama do jardim!” (Ludmila Saharovsky)

               

              Verão I

              É verão e o calor prossegue materializando cheiros e suores ardentes, embriagando-me de luz. Essa quentura palpável que gruda na pele, que se corporifica numa espera pesada, sem vento, sem clemência, sem frescor, sem uma aragem. Essa estação repleta de pastos queimados de sol e de palavras morrendo de sede dentro da boca. Essa incandescência sem brisas nem concessões à uma sombra amiga, qualquer que seja, de onde quer que venha! Essa febre que me transporta ao deserto de mim mesma, à uma sonolência improdutiva, à dificuldade intransponível que as coisas paradas provocam em nós.
              Olho pela janela e pressinto camelos levantando o pó sobre a areia escaldante das dunas, que se multiplicam e multiplicam numa paisagem minimalista. Onde o sonhado oásis? Quem sou eu, me pergunto, envolta neste sudário de linho cru, caminhando em silêncio pelas ondulações arenosas sob meus pés cansados. Eles, que carregam esse pesado fardo de carne e ossos…e, por vezes, também asas! E para onde vou? Existirá um bosque refrescante além desta vidraça? Desse muro? Desse jardim sedento?
              Dor? Nenhuma! Apenas a indiferença colorida por tons secos e um sol que, às vezes, é simplesmente um caleidoscópio multiplicando irradiações de tédio e preguiça.
              Assim como eu, a tarde indolente também se arrasta, cumprindo um itinerário de esperas. Aguardamos, ambas, que a noite caia e nos resgate, e nos redima, e nos refresque, e nos envolva no estado de graça que traz em si. Ah! Essa leveza, essa bem aventurança de céu que finalmente reflete a luz fria da lua! Um céu repleto de estrelas e constelações. Ele se abre sobre nós e brilha e nos conduz à quietude e ao silêncio, aos sonhos e anelos. Esse céu que nos absolve das angústias e nos permite descansar.
              Aguardo a noite ansiosa, porque ela me permite a fuga, ainda que momentânea, de compromissos e rotinas, de desertos e caravanas, de dunas e camelos.
              À noite dispo-me de mim. Desfaço-me do peso de meu corpo, de suas tantas sinas e calvários e me permito anelar por rios e lagos repletos de água cristalina. Por garças alvas e peixes azuis. E tâmaras e figos frescos. E riachos e cascatas. E o vento trazendo enfim a chuva benfazeja. À noite impregnada de tantos mistérios, escura e veludosa, eu peço que me acalente e me embale. E, contrariando os instintos primitivos que nos levam a hibernar no inverno, quero adormecer agora, neste interminável verão, e despertar, apenas, quando se fizer, de fato e de novo, a primavera.
              (Ludmila Saharovsky)

                

                A cidade que nos tem


                Eu acredito que lugares, assim como pessoas, possuem alma e carma.
                Eles, como nós, passam pelo ritual de nascimento, registro, batismo. Recebem um nome, um padroeiro, seguem um destino. Crescem, amadurecem, multiplicam-se em ruas, bairros, distritos. Adoecem e são tratadas. Ás vezes adquirem moléstias crônicas, que carregam como fardo, por séculos. Outras, chegam a falecer: cidades mortas. E todas elas ostentam inúmeros perfis: Há as tímidas e retraídas, que recusam-se a marcar presença. Há as festeiras, eternamente iluminadas, produzidas, fervendo de gente. Tem as que não param de trabalhar: dia e noite suas altas chaminés cospem fumaça e fogo pelos ares. Existem as incrustadas em montanhas, glamourosas, com DNA europeu, arquitetura requintada.E há as bem caipiras, de uma só rua, com galinhas ciscando e cavalos pastando livres e felizes por entre as cercas de bambu que separam hortas e casas caiadas. Há as de pele tão seca, que ostentam profundas rachaduras e as que transbordam água, ornadas por rios, cachoeiras e lagoas. Existem as que possuem lendas e mistérios, e outras que desconhecem a própria origem. Tem aquelas cujo solo é santificado por basílicas e milagres, e as simplesmente à toa, sem eira nem beira, sem lei nem justiça. Se nós nos abrirmos para os espaços e aguçarmos nossos sentidos, poderemos perceber com clareza que os lugares comunicam-se conosco, e nós ou aceitamos sua vibração e criamos raízes, ou, simplesmente, passamos ao léu, sem deixar qualquer pegada. As cidades palpitam, confidenciam, reclamam, cobram. Assim como as casas (que também possuem alma) e adquirem, com o passar dos anos, cada qual o jeito e até o cheiro de seus donos, as cidades vão assimilando e refletindo a personalidade de quem as habita, uma vez que somos nós quem lhes outorgamos estrutura, a organização de um perfil particular e uma personalidade própria. As cidades, como as pessoas são dotadas de uma certa independência e livre-arbítrio. Elas tem amor próprio e dignidade. Não é fato raro nem isolado que respondam aos mal tratos que recebem transbordando rios, ruindo pontes, desbarrancando encostas, ou então partindo-se ao meio e recolhendo em suas entranhas toda uma estrutura que a agride, mas, embelezadas com jardins e parques, animais e aves, poesia e arte que lhes alimentam a alma, plasmam em nós o bem estar que emitem. E elas sofrem também de nostalgia. Ah! Aquele solar! Aquele antigo convento! Aquele teatro! É quando vagam por dentro da neblina densa da memória: recordam sons, recolhem confidências, rememoram segredos, resgatam anônimos heróis e amantes e conseguem até contagiar-nos, despertando em nós,sentimentos e emoções latentes. Nestes momentos, afloram em cada um, de maneira inusitada, fortes rompantes de cidadania, que nada mais são, do que uma declaração de amor pela cidade que nos tem. Então, adotamos praças, restauramos prédios históricos, recolhemos tênues sinais deixados por nossos antepassados, engajamo-nos em lutas para salvar um rio, um parque, um monumento, um bairro. Em momentos como estes, homens e lugares reconhecem-se unos. Respeitam-se e interagem em perfeita sintonia. Nestas raras ocasiões, a prosperidade se instala e a humanidade é brindada com épocas de ouro, com obras majestosas que glorificam e celebram a vida, tornando-se sólidas referências para as gerações vindouras. Tudo o que os lugares almejam é que o homem lhes reconheça o espírito e a serventia. Que neles respeite o “anima mundi” que a tudo e a todos permeia. Que os honre, ame e proteja, porque são seu lar.
                E há momentos, como esse, em que assistimos, pasmos, as cidades se convulsionarem, abrirem feridas sangrentas, gritarem de dor, revolta e medo, e nós, espectadores assustados, nada podermos fazer, pois sempre chegamos, infelizmente, “tarde demais!”
                (Ludmila Saharovsky)

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