A Pedra e o lago (trecho)

Navego por teu corpo, repleto de complexos itinerários.
Repleto de roteiros secretos,
Vales, escarpas, cordilheiras, istmos.
Nele tudo eu esquadrinho lentamente.
Tudo eu exploro, assinalo, guardo.
Fecho meus olhos e faço a travessia.
Às vezes eu naufrago. Outras, flutuo,
guiada por algo que já não é mais instinto.
Ah! quantas rotas teu corpo me permite,
quantas abstrações, quantos pulsares, quantos delírios!
E arrepios que me habitam na tua ausência.
E andorinhas que me roçam a pele.
Movo-me por teu corpo
marcando meu caminho feito um lagarto.
Feito um besouro sobre a areia fina.
Feito um caramujo.
Por onde passo, deixo um indelével rastro e odor de lírios.
Ora latejo em ti, beijafloreio.
Ora em rendas de espuma me desfaço
Ora me reflito em signos de assombro e luz
E em luas de marfim me perpetuo.
E deixo que floresçam em nós, quaresma e ipês.
Ah! Esse teu corpo imerso em delimites,
Quero trazê-lo inteiro, imantado em mim…
Navego por teu corpo de carne, ossos e espanto.
Em ti eu andarejo, eu andarilho,
cumprindo meu percurso, minha história.
O coração de flechas trespassado. Doido coração.
Doido e doído, corroído por saudades tantas
Que em ti, de ti eu sinto.
E é assim que existo:
entregue à paixão de ser o teu destino.
De ser para ti a carne transmutada em verbo vivo.
Que se transforma em terra e em pão
E te envolve leve, feito um sudário.

(Ludmila Saharovsky)
(Trecho do monólogo A pedra e o lago)

     

    A pedra e o lago


    Este é o primeiro monólogo que escrevo. Ele está sendo apresentado pela Cia. Teatro do Interior, dirigido por Paulo Carvalho, protagonizado por Marilda Carvalho e Cristiane Azevedo e cumpre temporada de sucesso. Estreou em Jacareí, foi apresentado no SESC de SJCampos, durante a Semana Cassiano Ricardo, em Ilha Bela e, recentemente no Fringe de Curitiba.Trata-se de um texto em prosa poética que narra, de forma metafórica, toda a dor, a angústia e a perplexidade de uma mulher que perde um grande amor e, através desses sentimentos, empreende uma viagem para dentro de si, para refletir e compreender a efemeridade e, ao mesmo tempo, a eternidade desta aspiração universal. Transcrevo-lhes um trecho desse trabalho:

    Na certeza de que me preencherias, eu te contei tantas histórias de amor e de magia, para conquistar-te também pelas palavras!
    Palavras para ouvir:
    Ouves o mar? Ouves a secreta melodia da noite?
    Elas me falaram de ti, antes mesmo que existisses…
    Palavras para sentir:
    Sentes o vento? Sentes a chuva fria que refresca e nutre a terra? Ela me trouxe, materializado, teu corpo de carne e seiva…
    Palavras para ver:
    Vês as estrelas? Elas brilham desde sempre para indicar-te o norte, para brindar-te com a sua luz. Essa luz que iluminou as trevas nas quais eu estava mergulhada por conta de tua ausência…
    E tu vieste até mim, guiado por minha voz enquanto a lua no céu tornava-se cúmplice e cheia, guardiã do teu caminho.

    Então, eu senti que, ao toque leve de tuas mãos, tudo se modificava. Tudo desabrochava, adquiria novas cores, maior brilho, intensa vibração.
    Teus olhos cinzentos, profundos e silenciosos, eram sempre excessivos. Havia neles um horizonte distante que me fascinava e atormentava. Mas, havia neles, também, a certeza de tua inevitável partida. Tua fuga vinha costurada ao teu percurso. Ela te acompanhava qual sombra. Sempre presa ao teu âmago. Grudada em ti!
    Por quanto tempo eu conseguiria manter-te?
    Eu não sabia! Mas queria descobrir.
    Talvez eu pudesse ser mais forte! Quem sabe eu te ancoraria aqui, em meu centro, e ambos giraríamos ao redor da terra, instaurando um novo sistema de sentimentos, crenças, leis, verdades mais sutis, e uma nova ordem de envolvimento.
    Quem sabe descobriríamos, juntos, o acesso ao reino da Eternidade?
    Afinal, tudo é possível ao amor…
    Vem, meu amado, eu sussurrei ao teu ouvido…
    (Ludmila Saharovsky)

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