Crônica publicada na última edição da Revista Absollut de São José dos Campos
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Zé Demétrio, lembranças
Pessoas queridas! Recebi este e-mail de meu querido amigo Fabiano Mauro Ribeiro, como resposta à última postagem que fiz sobre Mestre Justino.
Pelo depoimento, tão informativo, e em homenagem à memória de Zé Demétrio, que nos deixou em 25 de março do ano passado, achei que deveria publicá-lo neste espaço, e não no reservado às respostas.
Fica aqui, a minha homenagem ao querido amigo que partiu e ao Fabiano, que reparte conosco suas lembranças.
Obrigada, Fabiano!
Saudades, Zé Demétrio!
(Ludmila)
Eu me lembro com emoção que havia colocado Zé Demetrio, Justino e Anderson Fabiano, em vários leilões de arte, feitos pelo Paulo Brhame, leiloeiro já falecido. Paulo encomendou a Demetrio uma escultura, de preferencia, figura de mulher nua, que o Zé as vezes fazia muito bem. A tal escultura saiu logo, naquele material sintético usado pelo escultor – fiquei surpreso e feliz, quando, depois de não saber o que Brahme havia feito da peça, encontrei-a em seu luxuoso escritório junto ao Fórum, em 99. Na década de oitenta, o principal auxiliar do Paulo, Evilásio Lopes, pintor e consultor de artes, fez uma exposição no Hotel Gloria, Rio, só com artista brasileiros, e colocou peças de Demetrio. O Zé tinha um protetor famoso e poderoso, Augusto Trajano de Azevedo Antunes, sócio da Betlen Steel, e modelo de capitalista, presidente da Caemi. Antunes tinha um fascinio pelo casal Demetrio e Carolina – sua secretaria me telefonou, perguntando a hora que abriria a exposição no Gloria. Depois eu soube que Antunes com seus inseparáveis seguranças, havia entrado nos salões do Gloria antes de todo mundo, e, à noite, o Presidente da Caemi já tinha uma opinião sobre a exposição, inclusive, falando por telefone a Zé Demétrio, fez umas criticas meio severas quanto à disposição das esculturas no salão principal. A ligação do grande Azevedo Antunes com Demetrio, principalmente, era curiosa – estava-se diante de um milionário, um apaixonado das artes, mas talvez com algum talento que não se expandiu, e de outro lado um artista pobre a quem ele deu apoio inusitado. Mais tarde, ao construir o colossal edifício sede da Caemi na Praia de Botafogo, foi Demetrio o escolhido para fazer a escultura que ainda lá está tomando toda a parede da parte superior da recepção – Azevedo Antunes pelo seu prestigio e penetração, tinha à sua disposição um punhado de escultores famosos na época, e no entanto escolheu o Zé de Taubaté, em quem ele nunca deixou de acreditar. (Fabiano Mauro Ribeiro)
Sob suas transparentes asas
Há objetos, situações, lugares, que, inexplicavelmente, marcam-nos para toda vida. E digo inexplicavelmente, pois, por mais que tentemos, não conseguimos dissecar esses sentimentos. Há que senti-los. Em se tratando de objetos, alguns nem têm a importância que outros, mais valiosos, bonitos e singulares deveriam possuir, porém, numa abordagem pessoal de valores, nós os tornamos únicos e mágicos.
Penso nisso, enquanto observo uma antiga gravura que preservo afixada sobre a escrivaninha, desde sempre! Nela, a estampa de duas crianças atravessando um pontilhão se perpetua. Atrás, zeloso, o Anjo da guarda. Mas por que eu a mantenho, por tanto tempo, mesmo manchada, descorada, corroída nas bordas? Não sei! Que sentimento tão leve de ternura ela me inspira? Esse calorzinho na alma! Eu a conservo porque necessito dessa proteção à qual tenho direito adquirido, desde o momento em que soube que anjos da guarda existem, com a única função de nos cuidar! Com o passar dos anos, fui conhecendo e me familiarizando com muitos deles, diferentes e interessantes: Góticos, barrocos, medievais. Doces e severos. Místicos e profanos. Eu os desenhei, descrevi, fotografei. Eu os admirei em museus, templos, galerias. Eu os vi em filmes, procissões, peças teatrais: Arcanjos, Querubins, Serafins. Alguns, muito populares como Daniel, Gabriel, Rafael. Outros quase desconhecidos como Sanvi, Sansavi, Samangelaf. E Samuel que se deitou com Lilith, a primeira mulher rebelde das Escrituras. E Pygar, anjo cego e futurista que atravessou os céus com Barbarela. E Seth, irrequieto e contemporâneo que resolveu sentir nossas humanas emoções, materializando-se no Cidade dos Anjos. Tantos referenciais, tantas figuras majestosas… e eu guardando essa velha estampa desbotada! Por quê? Porque gosto de seu clima! E não pensem que sou alguma angiologista compulsiva. Aliás, nem tenho afinidade com essa matéria. Não li um livro sequer da Bonfiglioli. Desconheço qual dia regem, a que hierarquia pertencem, que evangelista inspiram. Para mim, anjo é questão de foro íntimo. Inexplicável. Crer ou não crer neles, é opção individual! E eu creio! Sinto-me mais segura imaginando que caminha ao meu lado um guarda costas celestial exclusivo, a cujos cuidados retribuo com velas acesas, fé e muitas preces. Preces diversas das que eu fazia, há muito tempo, ao pé de minha cama, olhando aquela figura diáfana: A leve túnica de cor azul celeste como seus olhos, os longos cabelos louros ondulados na altura dos ombros, ela guardava meu sono e me protegia ao despertar: Santo anjo do senhor…meus zeloso guardador…. Um ser cujo comportamento, eu intuo, segue exatamente ao descrito no poema de Neide Archanjo, que recito, a guisa de oração: “O dia/ passado entre acácias/ e esquecimentos/ já se foi./ E dormem pessoas/ desassossegos./ Não o anjo./ Diante da presença/ que se desenha úmida/ porque chove/ e a noite é imensa /repito o nome/ que lhe dei./ Do umbral/ ele sorri/ em aliança” Pois assim é. Para explicar-se um anjo e o que ele representa , só a poesia ou a oração, ambas, linguagens da alma, que conseguem colocar-nos em sintonia com o Sagrado que nos habita. (Ludmila Saharovsky)
(crônica publicada no jornal O Valeparaibano)