Vivo um tempo de retomada. Retorno às mesmas mãos bordadeiras que guardei junto aos retalhos de cânhamo amarelado, onde, agulha e linha fixava pontos trêmulos ensinados por dona Rodeska, professora de artes manuais. Íamos, linha a linha materializando matizes e arabescos que depois alinhavávamos num caderno de capa grossa. Ele perdeu-se junto com a minha adolescência, em alguma dobra do tempo.
Tarefas do século passado, relembro, saudosa, mas que resgato no presente.
Bordo. E o vai e vem contínuo da agulha penetrando o pano, me relaxa. É um mantra que pratico com as mãos. Com linhas coloridas avanço: passo a passo. Traço a traço. Bordo Maria. Ela, deixada por último sobre a mesa, entre tantos outros riscos, ficou pacientemente à minha espera, na manhã ensolarada do parque. Bendito atraso, o meu! Penso e me emociono, acrescentando mais uma flor, mais um ramo, mais um detalhe. Há de sair bela! Agradeço à inspiração da artista que a criou e sigo. Ponto a ponto.Sem pressa. Desligada de tantos problemas que nos afligem, entro em outra sintonia: a da prece. Bordar também é uma forma de oração. Ave Maria! (Ludmila)
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Bordar, antes arte do que tarde!
Eis que a antiga mania de bordar volta à cena. Essa técnica artesanal, tão em voga entre nossas avós e as moçoilas do século retrasado, que passavam as tardes bordando seu enxoval, e que um dia foi apenas decorativa, hoje está sendo uma das formas artísticas de expressar o feminismo, e, acreditem, uma forma bastante criativa e prazerosa.
O novo bordado, que está sendo chamado de bordado livre, bordado contemporâneo, ou, ainda bordado riot (através do qual as mulheres discutem todos os problemas de gênero utilizando agulhas e linhas) é uma nova forma de reunião, onde podemos expressar a criatividade, trocar idéias, sair da rotina do dia a dia e nos permitir um encontro para exercitar um convívio feminino através da arte. Mesmo repaginado, o novo bordado é uma maneira encontrada de manter a tradição desse conhecimento que passou de mãe pra filha. Hoje ele passa de mulher para mulher, durante as horas em que dura o encontro. Basta você ter à mão um pedaço de tecido, agulha, linhas e vontade de se expressar. O desenho fica à critério e gosto de cada uma.
Em São José dos Campos, recentemente formou-se um grupo de bordadeiras, por iniciativa de Rose Veroneze Becker, do qual participo, que se reúne uma vez por mês para bordar em Praças Públicas. O local escolhido foi o delicioso quiosque do Parque Vicentina Aranha, e as idéias começaram a surgir. Inicialmente bordamos, todas, os ipês, que são as árvores mais queridas aqui do Vale do Paraíba, junto com as quaresmeiras. A ideia é fazermos uma exposição para divulgarmos essa arte que, dia a dia conquista mais adeptas de todas as idades. O projeto seguinte será o de bordarmos os janelões da cidade, para montarmos um grande painel que daremos de presente a SJCampos nas comemorações de seus 350 anos de existência, em 2017. Além desses projetos, temos, cada uma, nossas próprias composições. Há mulheres que bordam poemas, receitas, desenhos onde retratam o cotidiano familiar, toalhas, paisagens, roupas, bolsas. Eu, que não pegava em agulha e linha desde as minhas aulas de trabalhos manuais na época do antigo ginásio, resolvi bordar e ilustrar meus textos mais curtos, e estou adorando o resultado… (Ludmila em Coisas de Mulher)