DIÁRIO EM DEVANEIO NOTURNO- parte VIII
Sacrilégio é negligenciar o desejo. Cada pelo eriçado é uma oração silenciosa da libido. Amedronta-me não ousar a carne ao milagre subversivo do instinto. E ardo em penitência quando isolada dos prazeres desfiguro o que há de mais divino no humano. Obedeço aos mandamentos da minha feminilidade julgando-me santa quando oferto o corpo ao seu templo preciso. Todos os meus redutos são oferendas em exposição sem pecados. Meus demônios reverencio entre tecidos castos. Catequizando um por um com cartilhas táteis. Pressinto os suores. Adivinhações de sua volúpia. Oro baixo sem piedade de mim e esquecendo-me das culpas. Clamo. Rogo. Paladares atentos desvendam dogmas e lhe absorvo ao reverso do puritanismo. Deslizando nossos sabores em preces desconexas. Lóbulo. Clavículas. Colo. E em transe sinto em êxtase o peso da entrega. Alucino em línguas diferentes. Latim ou puro balbuciar desgovernado. Listando o nome de todos os santos e comprometendo toda a vida em pagamentos de promessas avulsas. Via-sacra dos prazeres. Braços ávidos estendidos em clamor. Muitas imagens repercutem pelas paredes do quarto. Um oratório de vozes sôfregas em coro repetem meu nome. Tremores. Sinto o corpo em chagas por suas mordidas. Seus dentes cravando a dor por devoção. Agarro sua nuca como quem procura as contas de um rosário. Remexo as pontas dos dedos. Contraio o quadril e arqueio. Busco vazios e respiro fundo. Retomo meus ares e continuo em audácia essa doce penitência. Os mandamentos repercutem. Variações distorcidas e um eco perpetua a cobiça e a luxúria. Ajoelho-me em súplica agarrando-me à você. Exorcizo comovida nossas vergonhas em seu membro. Um confessionário em deleite. O ar impregnado do cio instiga fantasias sobre o paraíso. Dou-lhe os mamilos em comunhão. Redondos e frágeis. Alvos fáceis anunciam todos orifícios restantes em purgatório. Esperançosos de serem correspondidos sem piedade e por sua graça e reverência pulsam lacrimejando ao escorrer quente e vagarosamente. Seu hálito inunda-os. Sinto a elevação de nossas almas. Penso no Gênese. Falo o nome de Eva. Quero a maçã. Quero entre os meus lábios o fruto da desobediência. E ouço dizer-me sobre o prazer derradeiro. Os castigos que acarretam aos amantes. Impiedosa fúria divina que pelo amor demasiado corrompe paixões. Imploro pela expulsão do seu corpo diante do meu ventre desnudo. Liberto-nos dos males. Encho-me de glória e bendigo seu nome num grito. A minha voz anuncia nossa salvação.
(Karinne Santiago)
Não é lindo este texto?
Eu gosto demais da escrita desta Sergipana de Aracajú: Karinne Santiago.
Se quiserem prosseguir nas leituras, vão lá ao seu blog. Vale a pena!
http://poeticaria-ensaiodaspalavras.blogspot.com.br/
FOTO: Peter Van Stralen