Sonata do Cair da Tarde
“O desperdício da palavra dorme entre teus dedos leves no despudor da madrugada. Aguarda que o amor ali lhe acorde imaculado. Quantas noites existirão nesta que te suplica amor? De mim, tens o tamanho e a pulsação. Esta angústia quer que seja o amor surpreso, imorredouro, porém. Mais ou demais? Imortal como um raio que se esconde na terra. Essa distância é simples desapontamento no caderno escolar. Lápis que escreve em casca de orvalho. Há curvas assimétricas de perfume, rasas, na compreensão de um amor para sempre, quase volátil, esfinge trêmula, animal sincero, sim. Eterno até que dia? Há curvas no amor que não se lamentam da labuta por serem curvas perdendo-se no amor. Deságua a noite que turva o mar, turva o que desbota, o que tem, e ainda canta o encanto de ser noite. Lacerando-me com a melanina da lua, uma lágrima impura de conciliação. Cedo, a lágrima. O pungente e inabalável amor é sobressalto de ouvir dizer. De ouvir falar a amada, sem vê-la, nenhuma vez, nenhum dia, nunca. Lampejo do corpo foge entre os dedos, sangue sobrando no paladar, gosto de espinho no coração, ferindo a fímbria do lençol que levas, arrastando como um sonho de pano no corpo de petúnias. Só, o envelope invertebrado do meu mundo. Teus ombros túrgidos recolhem-se, embriagados de alvorada, e atiram-se pela janela roída de paisagem amanhecida. E me matam com odor de nunca mais. Eu, com as árvores da noite flageladas, a janela reclusa em tua beleza inocente, choramos que partas tão depressa desvestida do meu abraço incrédulo, nu, poderoso, e desgarrado do vento. És o suspiro de nós dois. Fica neste sonho.” (Fernando Coelho)
Imagem: Lucy Reynolds
Fernando Coelho
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