Flaubert, no volume “Cartas Exemplares” (organizado por Duda Machado) escreveu, em 1852 para uma amiga (aliás, o único contato que ele mantinha com o mundo exterior era através da correspondência com poucos amigos) que queria redigir um livro sobre o nada, sobre o vazio. A que nada será que Flaubert se referia? A que vazio? Seria o existencial? O metafísico? O espiritual? O material? O nada…simplesmente, coisa alguma?
Pareceu-me, no contexto, que Flaubert buscava uma obra que não tivesse um tema, que se sustentasse apenas pelo estilo. Um estilo tão aprimorado que se tornou inconfundível. Também pudera! Após uma desilusão amorosa, ao que se sabe, ele retirou-se da sociedade, isolando-se no campo, em solidão total. Ali, durante trinta anos dedicou-se exclusivamente ao trabalho literário. Pois é! Flaubert e sua famosa Madame de Bovary, que no fundo devia ser seu alter ego…Mas, por que Flaubert e seu desejo de compor um livro sobre o nada me vieram à mente?
Talvez porque hoje, eu também esteja querendo divagar sobre o nada. O nada da recusa de reflexões, da rejeição de argumentos, do oco das palavras. O nada do esvaziamento de doutrinas, da perda da fé, do vácuo de ideais. Quero escrever sobre este algo absolutamente sem conteúdo a que temos assistido, lido, ouvido: sobre a política do vazio, sobre o niilismo, a falência da verdade, os desencontros, os desentendimentos, as antíteses, as diáteses, as diásporas, só porque são palavras que me soam igualmente sem sentido no contexto de uma crônica.
Quero alcançar a sabedoria vegetal, a sabedoria mineral, porque a humana já me desgastou o suficiente. Quero mergulhar no nada, porque não aguento mais carregar as dores desta rotina de não ter possibilidades nem opções para mudar absolutamente um ínfimo percurso, neste mundo no qual existo. Quero mergulhar no vazio, porque cansei de todos os regimes, anarquias, utopias, propostas e promessas de construção de uma sociedade melhor, mais justa e fraterna para todos. Enfastiei-me de praticar valores éticos, morais, justiça, paz, respeito, honestidade, serenidade, que se diluem neste universo denso de idiotices. Quero uma dobra do tempo na qual não exista qualquer fresta, qualquer possibilidade de quem quer que seja invadir meu cotidiano com discursos tolos, inconsistentes e insustentáveis! Ah!…Eu desejo tanto pegar minha bicicleta azul e pedalar, pedalar, pedalar neste benfazejo vazio, em busca da Terra do Nunca, e nela, finalmente, esvaziada desta racionalidade que me sufoca, respirar! (Ludmila Saharovsky)
O nada, o oco, o vazio…
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