Tão longe, tão perto!

Cenário cultural para inserir Anderson Fabiano – parte I

Conheci Anderson Fabiano, em 1972, no primeiro salão de Arte organizado pelo ADC Embraer. Anderson foi-me apesentado por outro artista plástico, o meu muito querido, Regis Machado. Há que se lembrar aqui, também, dessa figura fantástica que foi Marinho Galvão, então relações públicas da Embraer, que tantos espaços abriu para pintores e escritores do Vale do Paraíba, promovendo concursos literários e Salões de Arte badaladíssimos, patrocinados pela empresa.
Creio que aqueles foram os anos de maior florescimento das Artes Plásticas em nosso Vale do Paraíba. Inúmeras exposições individuais e coletivas aconteciam com frequência espantosa, atraindo um grande público e aquecendo sobremaneira o mercado.

Antes de falar de Anderson Fabiano, vou contar um pouco o que foi a década de setenta para mim, que estava recém chegada ao Vale do Paraíba (mudei-me para Jacareí em 1965)

“No final dos anos sessenta, o engenheiro João Duarte Mauro, irmão do cineasta Humberto Mauro, lotado no CTA (Centro Técnico de Aeronáutica), encantou-se com o movimento artístico do Vale e acabou tornando-se membro do Conselho de Cultura de São José dos Campos. Suas atenções recaíram, sobretudo, em Justino ( que então assinava como “Barra Seca”) de quem tornou-se grande amigo e divulgador. Com seu modo eclético e conhecedor de química industrial passou a orientá-lo na combinação de cores e formas, apoiando-o e o incentivando inclusive na confecção dos grandes afrescos pintados em igrejas da região. O engº Mauro possuía também raros quadros de Gutlich, esculturas de Demétrio e as figuras em barro do genial Sergio, um escultor nômade e esquizofrênico, que ora aparecia e produzia compulsivamente, ora desaparecia completamente do cenário.)
Mais tarde, em 73, seu sobrinho Fabiano Mauro, à frente do Movimento Itinerante Brasil Arte e Turismo, levou Justino, Demetrio e Anderson Fabiano para participar de coletivas no Rio, como no Copacabana Palace, Rio Othon e Hotel Gloria. Numa entrevista ao Vale Paraibano, Mestre Justino colocou J. Mauro como seu grande amigo e primeiro incentivador de fato”.
(informações prestadas por Fabiano Mauro Ribeiro)

A Galeria do Sol, de nosso inesquecível agitador cultural Ênio Puccini (Puccini só gostava de arte contemporânea e naife) trazia mostras individuais de artistas já famosos como Sirón Franco, Claudio Tozzi, Alex Fleming, Maria Bonomi, Marcelo Grassman, Carlos Clémen, Takanori, Arriete Chaim, Luiz Beltrame, Cristina Parisi, Carmela Gross, Arlindo Daibert, Leonino Leão, Renina Katz. Cito de memória alguns dos artistas que Ênio trouxe para os vernissages, e que depois levava, impreterivelmente, para a minha casa, para tomar sopa russa e bater infindáveis papos! Ligava pra mim e simplesmente comunicava: “Estou chegando aí com o Luiz Beltrame e o Arlindo Daibert famintos!Tem como você preparar aquela sopa russa pra gente?” Isso, às vezes, a uma hora da manhã…Claro que nem sempre a sopa russa saía, mas sempre tinha algo para se comer, muitas vezes preparado por todo mundo na cozinha! Foi assim que conheci toda essa gente maravilhosa e acabei formando o meu acervo!
Ênio Puccini, que conhecia como poucos a música clássica (era um excelente pianista) fazia na época a Coluna Social do jornal Valeparaibano. Seu “faro” para novos artistas plásticos era infalível, assim, tivemos o privilégio de acompanhar de perto o que acontecia no cenário paulista e brasileiro, bem como a oportunidade de adquirir telas de artistas que hoje tornaram-se ícones da arte contemporânea brasileira.


Aconteciam, anualmente e oficialmente, Salões de Arte Contemporânea e Acadêmica, em Taubaté,em S.José dos Campos e em Jacareí (o famoso SAJA, que não sei porque deixou de ser feito, pois inclusive foi instituido por lei municipal para acontecer a cada ano no aniversário da cidade!) Havia mostras significativas de arte em Guará e em Lorena.
Artistas abriam ateliers para aulas de pintura, desenho, gravura, litogravura, escultura (Hermelindo Fiaminghi, Johann Gutlich, Sonia Oliveira, Luiz Beltrame) Até Arcangelo Ianelli vinha dar aulas em SJCampos! Dona Iraci Puccini, mãe de Ênio, produzia excelentes quadros abstratos feitos com têmpera e nos incentivava a usá-la.

Edna Médici, Eunice Ricco e eu inauguramos o Atelier Artespaço em Jacareí, onde aulas de pintura eram dadas por Eunice Ricco e Mestre Justino. As aulas de desenho ficaram a cargo de Luiz Beltrame, enquanto José Demétrio e, posteriormente, Edgardo Arenas ensinavam escultura. Edna Médici dedicou-se à cerâmica e eu dava aulas de pintura Bauernmalerei em madeira e tapeçaria em tear de pregos. Martha Braga tinha um atelier escola de cerâmica, e João Bosco Costa, tímido, surpreendia a todos com seus desenhos fantásticos. Boscovsky, como carinhosamente eu o chamo desde sempre, ilustrou várias matérias minhas para jornais e revistas, e, posteriormente produziu a capa de meu primeiro livro de poesias eróticas, o “Te Sei”, lançado em !983.

Luis Veiga, Sonia Oliveira, Cidinha Ferigolli, Swoboda, Claudionor Itacarambi, Sóstenes, Kuno Shiefer, Regis Machado, Gutlich, Luiza Irene Galvão, Marta Galotti, Helena Calil, Luiz Beltrame, brilhavam em S.José dos Campos.

Tova Cohen, Osvaldo Pires, Cleuso de Paula, Mir Cambusano, Eunice Ricco, Dalila Brito, Zé Carlos Cruz, Feiz Ahmed, e eu também (fui selecionada e premiada, dentre 2.100 obras inscritas ( 48 selecionadas) no o II Salão Paulista de Artes Plásticas e Visuais do MAM – Museu de Arte Moderna do Estado de SP. com o conjunto de obras “Ensaios Ópticos” bem como em diversos salões importantes de Arte Contemporânea, mas essa é outra historia que fica para uma outra vez…) fazíamos arte em Jacareí.

Anderson Fabiano, Adão Silvério, Carolina Migoto, Guima Pan, Toninho Mendes, Justino, Zé Demétrio, e muitos naifes de qualidade (desculpem se me esqueci de alguém!) agitavam Taubaté, onde também havia um consórcio de quadros, promovido pelo proprietário da Casa Ciranda ( que vendia quadros e molduras). Você pagava uma “prestação mensal” e participava de um sorteio mensal também, de obra do artista à sua escolha, dentro do valor do plano pelo qual optara.
Aldemir Martins, Manoel Santiago, Milton da Costa, Ravanelli, José Pancetti, Quissak Jr., Alice Brill, Justino, Adão Silvério, Anderson Fabiano, Guima, eram os artistas mais adquiridos.

Quissak Jr. e Tom Maia destacavam-se em Guaratinguetá.
J.San Martin e J. Wadie Milad produziam em Pindamonhangaba.
Éramos uma grande, produtiva e criativa família. Um tempo que nunca esquecerei! (Ludmila Saharovsky)
continua no próximo post

    

    Zé Demétrio, lembranças

    Pessoas queridas! Recebi este e-mail de meu querido amigo Fabiano Mauro Ribeiro, como resposta à última postagem que fiz sobre Mestre Justino.
    Pelo depoimento, tão informativo, e em homenagem à memória de Zé Demétrio, que nos deixou em 25 de março do ano passado, achei que deveria publicá-lo neste espaço, e não no reservado às respostas.
    Fica aqui, a minha homenagem ao querido amigo que partiu e ao Fabiano, que reparte conosco suas lembranças.
    Obrigada, Fabiano!
    Saudades, Zé Demétrio!
    (Ludmila)

    Eu me lembro com emoção que havia colocado Zé Demetrio, Justino e Anderson Fabiano, em vários leilões de arte, feitos pelo Paulo Brhame, leiloeiro já falecido. Paulo encomendou a Demetrio uma escultura, de preferencia, figura de mulher nua, que o Zé as vezes fazia muito bem. A tal escultura saiu logo, naquele material sintético usado pelo escultor – fiquei surpreso e feliz, quando, depois de não saber o que Brahme havia feito da peça, encontrei-a em seu luxuoso escritório junto ao Fórum, em 99. Na década de oitenta, o principal auxiliar do Paulo, Evilásio Lopes, pintor e consultor de artes, fez uma exposição no Hotel Gloria, Rio, só com artista brasileiros, e colocou peças de Demetrio. O Zé tinha um protetor famoso e poderoso, Augusto Trajano de Azevedo Antunes, sócio da Betlen Steel, e modelo de capitalista, presidente da Caemi. Antunes tinha um fascinio pelo casal Demetrio e Carolina – sua secretaria me telefonou, perguntando a hora que abriria a exposição no Gloria. Depois eu soube que Antunes com seus inseparáveis seguranças, havia entrado nos salões do Gloria antes de todo mundo, e, à noite, o Presidente da Caemi já tinha uma opinião sobre a exposição, inclusive, falando por telefone a Zé Demétrio, fez umas criticas meio severas quanto à disposição das esculturas no salão principal. A ligação do grande Azevedo Antunes com Demetrio, principalmente, era curiosa – estava-se diante de um milionário, um apaixonado das artes, mas talvez com algum talento que não se expandiu, e de outro lado um artista pobre a quem ele deu apoio inusitado. Mais tarde, ao construir o colossal edifício sede da Caemi na Praia de Botafogo, foi Demetrio o escolhido para fazer a escultura que ainda lá está tomando toda a parede da parte superior da recepção – Azevedo Antunes pelo seu prestigio e penetração, tinha à sua disposição um punhado de escultores famosos na época, e no entanto escolheu o Zé de Taubaté, em quem ele nunca deixou de acreditar. (Fabiano Mauro Ribeiro)

      

      José Demétrio

      .
      ( “Aguia” escultura em argila e resina de 83 cm. do artista José Demétrio, de Taubaté. Década de 70.)

      Outro grande amigo, José Demétrio deixou pelo Vale, as marcas de seu talento em inúmeros monumentos.
      No meu aniversário em 1978 ele me presenteou com essa peça magnífica, que é uma de minhas prediletas.
      Confeccionada em argila e resina colorida, uma invenção dele, essa águia de 83 cm. está sempre comigo, feito um talismã.
      Em seu imaginário tão povoado por seres míticos, a águia era sua predileta: pela força, majestade, inteligência e leveza, ele dizia…no que concordo plenamente! Possuir uma águia por anjo da guarda é bom demais! (Ludmila)

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