Conto de fadas russo:O peixinho dourado

Ilustração  de Ivan Bilibin

Ilustração de Ivan Bilibin

Dedico esta historia para minhas netas que ainda gostam de contos de fada: Anninha, Alecsia e Lórien, e para todos os que voltam facilmente a este mundo maravilhoso da infância. (Ludmila)

Há muito, muito tempo atrás, numa aldeia distante, vivia um casal de velhos, em extrema pobreza. Sua casa era uma isbá (casa de madeira russa) caindo aos pedaços.
O velho ganhava a vida pescando e sua mulher tecia.
Um dia, o velho saiu para pescar e qual não foi sua surpresa, quando puxou a rede e, preso nela, encontrou um lindo peixinho dourado.
“Por favor, meu bom homem, jogue-me de volta ao mar” ele pediu, falando com sua vozinha de peixe. O velho ficou muito assustado. Em toda a sua longa vida, jamais ouvira um peixe falar, mas, enfim, sempre havia uma primeira vez para tudo!
“Se você me soltar, pode pedir o que quiser, e eu satisfarei o seu desejo, pois sou o rei deste Oceano!”
O pescador, então, delicadamente, soltou as linhas da rede que prendiam as barbatanas do peixinho e, devolvendo-o ao mar, falou:
“Vai embora com Deus, Vossa Majestade Marinha! Eu realmente não preciso de nada de você”!
“Pois, se você se lembrar de algo que queira, é só voltar a este mesmo lugar e chamar pelo meu nome: Peixinho Dourado, e eu voltarei.” “Obrigado, meu bom homem! Obrigado!” E o pequeno peixe desapareceu, feliz, entre as ondas!
Voltando pra casa, o pescador, maravilhado, foi logo contando o que aconteceu com ele pra sua mulher.
“Mas eu não acredito! Estou pra ver um velho mais tolo do que você neste mundo!”
“Então você me apanha um peixe dourado que é simplesmente o rei do Oceano, devolve ele são e salvo pra água e não pede nada em troca?”
“Pedir o que, mulher? Nós já estamos tão velhos, passamos a nossa vida inteira aqui neste lugar onde não nos falta nem teto e nem comida…Pedir o quê para o pobre peixinho?”
“Pobre? Pobre peixinho? O rei desse mundão de água? Pois volte já onde o pescou e diga a ele que precisa de uma moringa nova, pois a nossa quebrou! “A nossa quebrou, ouviu bem? disse irritada a mulher.

ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin

ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin


O velho, para não contrariá-la, voltou para a beira do mar. O dia já estava entardecendo, e algumas nuvens se formavam no céu azul. “Peixinho! Peixinho Dourado! Vossa Majestade Marinha!” Gritou o pescador. Passados alguns minutos, lá veio o Peixe, desta vez com uma linda coroa de ouro sobre a sua cabecinha. “Olá, meu amigo! Lembrou-se de algo que queira me pedir?”
“Eu não, disse o velho, envergonhado, mas a minha mulher, quando soube que você queria me dar um presente, disse que precisa de uma moringa nova!”
“Pois eu já atendi ao seu pedido. Volte para casa que sua moringa está lá!”
“Adeus, peixinho!” “Adeus pescador!”
Quando o homem voltou para casa, sua mulher já o estava esperando com o presente nas mãos. “Mas você é mesmo um bobão”, disse-lhe ela. Salvou o rei dos mares e só lhe pede uma moringa? Olhe para nossa isbá! Ela a qualquer momento cai na nossa cabeça…Chame o peixe e lhe diga que quer uma casa nova!”
E lá se foi o nosso velho, chamar novamente pelo Peixe Dourado. A noite estava caindo, e as ondas batiam com força sobre as pedras.
“Olá, meu bom velho! O que você quer, agora?”
“Desculpe, meu amigo, mas a minha mulher me deu a maior bronca por ter pedido apenas a moringa, enquanto a nossa casa está quase caindo…”
“Pois volte que a sua nova casa já está lá!”
“Obrigado, Peixinho Dourado! Muito obrigado!”
Quando retornou pra casa, ele mal acreditou no que seus olhos viam: lá estava um belo chalé, com a chaminé fumegando, a cerca pintada de branquinho, o seu cão fazendo a maior festa!
Ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin

Ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin


“Satisfeita, mulher?”
“Estou satisfeita não! Olhe para este chalé!” “Agora olhe para mim!” Como vou morar nessa casa tão bonita, toda esfarrapada do jeito que estou?” Agora eu não quero mais ser pobre! Volte ao seu peixe e lhe diga que eu quero ser nobre!”
E lá se foi o velho, chamar o peixe novamente. O caminho ia ficando escuro, pois a lua mal aparecia por entre as nuvens.
“E agora, o que sua mulher resolveu que vai querer?” perguntou o peixe.
“Ah! meu caro peixinho dourado! Minha mulher resolveu agora que quer ser nobre!”
“Pois que assim seja!” “Volte para casa tranquilo, que seu desejo é uma ordem pra mim!”
E o que aconteceu quando ele voltou para casa? Ah, o chalé tinha desaparecido e em seu lugar estava no terreno uma bela mansão. Sua mulher vestia um rico vestido de seda, todo bordado de pedrarias. Seus cabelos estavam arrumados numa longa trança e sobre a cabeça ela trazia um rico toucado. Colares de ouro adornavam seu colo e anéis de pedras preciosas enfeitavam seus dedos. Empregados andavam pela casa, ajeitando os mínimos detalhes. O pescador, vendo-a toda arrumada, quase não a reconheceu!
“Saudações, mulher! Espero que esteja, finalmente, satisfeita!”
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Ela, olhando-o com desprezo, apenas ordenou que, daquele dia em diante, ele fosse viver no estábulo.
Passaram-se algumas semanas sem que, a agora importante dama, fosse importuná-lo. A vida do velho pescador continuava na mesma rotina. Acordava, cuidava do cão, pegava sua rede e ia pescar. Certa tarde, retornando para o estábulo onde agora morava, encontrou uma serva da mulher que viera trazer-lhe o recado de que a Senhora queria vê-lo.
“Quero que você vá lá chamar o peixe!” Disse-lhe a velha.
“Estive pensando e descobri que existe o Rei que é mais importante do que eu, a quem todos temos que obedecer.” “Pois eu não vou obedecer a mais ninguém, entendeu?” “Então eu quero que você vá lá e ordene ao peixe que me torne a rainha de toda a terra!”
“Você ficou louca, mulher? Eu não vou pedir mais nada ao Peixe Dourado!”
“Você ousa me desobedecer?” Berrou a mulher, esbofeteando, furiosamente seu velho marido.
“Vá lá e não me volte sem o meu pedido atendido!” “E não vou falar isso outra vez!”
Sem ter o que fazer, o pobre homem dirigiu-se ao ponto de encontro com o Peixinho dourado e, mais uma vez chamou por ele. E mais uma vez o peixe apareceu. A água estava agitada, as ondas altas se quebravam com violência sobre a praia, e o céu estava escuro.
“Majestade, minha velha enlouqueceu”! “Ela agora quer ser a Rainha de toda a terra!”
“Não se preocupe, meu amigo!” “Volte lá que seu pedido já foi atendido” disse o peixe.
Ilustração de Guenadi Spirin

Ilustração de Guenadi Spirin


Quando o pescador voltou, encontrou, no lugar da mansão um grande palácio, e sua mulher estava sentada no trono cercada por vários nobres que a bajulavam. Uma fileira de guardas armados protegiam o caminho, então ele nem pode chegar perto.
“Saudações, Majestade!” gritou de longe! “Satisfeita agora?”
A nova Rainha da Terra sequer olhou para o seu lado. Levantou apenas um dedo apontando em sua direção, e já vieram dois guardas que o colocaram para fora do castelo.
Passados alguns dias, a Rainha chamou novamente o velho à sua presença e ordenou-lhe que fosse ao peixe, para dizer-lhe que agora, ela queria tornar-se a Imperatriz de toda a Terra e também do Mar, e que o peixe em pessoa viesse servi-la.
“O pescador ficou tão apavorado, que nem protestou e, lentamente, pôs-se à caminho da praia.
Uma terrível tempestade se formara, com raios, trovões e ondas gigantescas que se quebravam sobre as pedras.
O velho gritou pelo peixe. Gritou e gritou o mais alto que conseguiu, até que a pequenina cabeça dourada apareceu em meio às ondas.
O pescador, cabisbaixo, triste, envergonhado, explicou ao peixinho o que sua mulher queria agora. Desta vez o peixe nada lhe respondeu. Simplesmente virou-se e nadou para bem longe daquela praia.
Depois de esperar muito tempo, em vão, que o peixinho voltasse, o velho tomou o caminho de volta para casa, onde, uma surpresa o aguardava. No lugar do suntuoso palácio, encontrou a velha isbá caindo aos pedaços. Sua mulher, vestindo os mesmos trapos, tecia ao lado da moringa quebrada, caída no chão.

Tradicional conto de fadas russo, recontado de memória por Ludmila Saharovsky)

Ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin

Ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin

Poster de 1909 da Exibição Internacional de ilustradores, em Kazan, Russia

Poster de 1909 da Exibição Internacional de ilustradores, em Kazan, Russia

As ilustrações deste conto são do artista russo Ivan Bilibin e também de Guenadi Konstantinovich Spirin, ilustrador russo contemporâneo, que reside atualmente nos Estados Unidos.
Spirin nasceu na Russia em 1948, cursou a Academia das Artes de Moscou e a Universidade Strogonov, Hoje, ele é considerado como um dos melhores ilustradores de contos de fada da atualidade. Tem seus trabalhos em diversos Museus e em vários sites da Internet, entre os quais



Para Erik: Conto de Desninar

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Conto de Desninar ou, uma noite na fazenda

A noite já andava pelo meio, ou assim me pareceu, quando meu caçula, os olhos bem abertos, acordou-me, rolando sobre meu corpo e parando ao lado da cama larga da fazenda. “Mãe!”
A luz do abajur acesa, encontrei-me dentro dos olhos de meu filho, grandemente abertos pelo que precisavam me contar. “Levanta mãe!” “Levantar para quê?” argumentei morta de sono. “O bezerro tá comendo os antúrios da vó”. “Os antúrios?” “Logo os antúrios? “Volte para a cama e vê se sonha que ele come alguma flor diferente” Mãe, ele brilha”! Volte para a cama, antes que eu fique brava!” “Ele brilha, mãe! Venha ver!” Levantei-me sonolenta e caminhei para a porta que se abria para os canteiros. “Cadê o bezerro, filho”? No céu, a lua imensa iluminava todo o quintal, e mais nada. “Ele estava lá, mãe, no meio do jardim… você demorou para vir, ele foi embora.” “E posso saber o que foi que o senhor veio fazer no terraço de madrugada?” “Ver o bezerro, ele estava fazendo barulho.”
“Menino, já pra cama! E ele foi… pra minha! Ajeitei-me da melhor maneira, para conseguir o diminuto espaço que restou do travesseiro, pensando que fosse dormir!”
“Mãe, e se ele comer as rosas também?” “A vó vai ficar bravona“. “Mãe, você já viu bezerro luminoso”? “Mãe, que cor que é luminoso?”
Como dormir com meu filho me questionando , abrindo, a cada pergunta, meus olhos com seus dedinhos e atiçando-me a imaginação com aqueles detalhes fantásticos?
“Mãe, se amanhã ele ainda estiver lá, você deixa ele ficar para mim?” “Mãe, e se ele for embora?” “Mãe, escuta… o barulhinho de novo. Vamos, mãe, vamos!” “Filho, pelo amor de Deus, amanhã tenho que levantar cedo!”
“Então fica ai, que eu vou só dar uma espiadinha”.
“Corre, mãe, corre, ele voltou”!
E lá vou eu, de novo: os chinelos, o roupão, a porta da varanda, a lua cheia e … mais nada!
“Filho, não tem bezerro nenhum”. “Ô, mãe, você está cega? Ele está comendo o antúrio branco!”
Coloquei a mão na testa de meu menino. Estaria com febre, para delirar daquela forma? Mas não! Beijei sua cara fresquinha, sentando–me com ele ao colo, no sofá.
“Você sabia que bezerro come flor?” “Sabia não!”
“E a avó, amanhã, heim…” “Ela não vai acreditar!”.
Vencida pelo cansaço, resolvi ceder: “Pois é, descobrimos um bezerro que se alimenta de antúrios”.
“Ah, mãe, te peguei! Você estava vendo e não queria que eu soubesse, não é?” “Verdade! Eu queria só dormir!” “E agora?” “Agora já passou.” “Então vamos espiar de novo?” “Vamos!”
Não adiantava mesmo, afinal, ou eu via de uma vez o tal do bezerrinho comedor de antúrios, e a gente voltava para a cama, ou passaríamos a noite inteira naquele viu-não-viu.
“Mãe, como será que ele se chama?”
Acho que se chama Raíto. E você, o que acha?”
“Eu acho que ele se chama Ventania.
“E porque Ventania?” “Ué, vento não é transparente?”
“Mãe, como você acha que ele veio parar no meio do jardim?”
“Não sei… voando talvez!” “Sem, asas?” “Sem asas”.
“Que jeito?” “Do jeito que vento voa…” “Mãe, e os antúrios da avó?” “Amanhã a gente resolve…” “Gozado, né, mãe!”
“Gozado o quê?” “Bezerro transparente comer flor… como é que ela não aparece na barriga dele?” “Ele mastiga até virar suquinho.”
“Mãe…” e Erik fechou os olhos, vencido pelo sono, finalmente!
A manhã chegou rápida, e com ela os afazeres. Levantei-me cedo. Era domingo e uns amigos viriam para almoçar. No banho surpreendi-me com as lembranças da noite mal dormida. Criança tem cada uma!
Saí do casarão e fui colher algumas flores, no jardim, para enfeitar a sala.
Diante do canteiro dos antúrios, perdi por instantes a respiração. O coração disparou dentro do peito! Realmente não havia uma flor sequer, em meio às folhagens, que ontem estavam tão enfeitadas.
Engoli em seco e uma única questão passou-me pela cabeça: o que eu diria para a avó, quando ela chegasse? Então, ensaiando, falei alto para mim mesma:”Samaria, a noite passada, um bezerro luminoso, de nome Raíto ou Ventania apareceu no seu jardim e comeu todos os seus antúrios!” Depois, o Erik que lhe desse maiores explicações, afinal, o bezerro era dele!”
(Ludmila Saharovsky)
Escrito para meu filho caçula em seu sexto aniversário, em 4 junho de 1978 e publicado no jornal o Jacareiense no mesmo ano.

Meu rebento, com o seu rebento. Erik e Lórien

Meu rebento, com o seu rebento. Erik e Lórien

    

    Para Alecsia

    Hoje é aniversário de minha florzinha mais linda: Alecsia!
    De presente, para ela, transcrevo esse continho que escrevi no inverno, alguns anos atrás. Beijos, beijos, muitos beijos, meu amor! (vovó Lud)

    Uma história para Alecsia

    Já era de manhãzinha, mas de manhãzinha de julho fria, fria…e o Sol, coberto até o pescoço pelo edredom feito de nuvens fofinhas, não queria saber de levantar!
    Levanta, Sol! piaram os passarinhos…
    Acorda, Sol! escreveram no céu as borboletas com suas azas multicoloridas, louquinhas para começarem a brincar de esconde-esconde no meio das roseiras…
    Cadê o Sol? Ruminaram com suas antenas as formiguinhas, saindo para construir uma nova estrada na grama do jardim. Uma estrada comprida, comprida por onde elas iam levar para o formigueiro um monte de folhinhas, gravetos e sementes.
    Acorda. Sol! Latiu a Salomé, buscando um pedaço de chão quentinho para deitar e tirar outra soneca, pois a noite foi cheia de aventuras correndo atrás dos gatos dos vizinhos! Mas, para o desespero de todos, o Sol…. Nada de acordar!
    Os girassóis estavam sem poder brincar de roda, o mamoeiro sem tomar seu banho de bronzeamento, as samambaias sem ter como secar suas longas cabeleiras molhadas pelo sereno da noite, e as estrelinhas do céu, cansadas de brilhar, estavam quase desmaiando de sono. O Sol não levanta, reclamavam…sem poder ir dormir junto com o dragão que vive do lado de lá da Lua.
    “Vovó, cadê o Sol”, perguntou Alecsia, curiosa, louca para aproveitar o primeiro dia de férias e brincar de casinha no jardim. A vovó se levantou, olhou pela janela e viu o malandrinho do Sol roncando de dar gosto no céu, lá atrás da Mantiqueira! “Mas…o que será que houve”? pensou a vovó em voz alta… “Será que o Sol se resfriou? Será que congelou de frio, já que arder de febre, para ele, não era ficar doente! Ele já ardia todos os dias, senão não seria Sol!” “Ah! Já sei…”disse Alecsia! “Acho que ele foi na festa de aniversário de São João e ficou muito cansado..”.É! Pode ser! Teve fogueira, teve rojão, quadrilha, quermesse… festa a noite inteira!” “É…e eu acho que o Sol foi casar com a Lua!” “Verdade”? “E todas as estrelinhas foram madrinhas…” “E São Pedro?” “Ah…ele foi o padre!” “Ta certo!” “Então vamos deixar o Sol dormir mais um pouquinho, não é mesmo?” “Vovó…ele não está dormindo… ele já está se espreguiçando…olhe lá um bracinho dele brilhando na grama do jardim!” (Ludmila Saharovsky)

      

      A menina e a boneca

      A menina e a boneca

      Era uma vez uma menina.
      Não! Era uma vez uma boneca.
      Também não! Era uma vez uma menina e uma boneca, mas, uma não sabia da existência da outra, então… elas não se pertenciam!
      A boneca vivia jogada no fundo de um esquecido baú de brinquedos, no sótão, numa casa de enorme jardim e muitos quartos.
      A menina morava num distante vilarejo, numa casa um pouco maior do que aquele baú de brinquedos.
      Acontece que, por força das histórias escritas para cada um de nós, a mãe da menina da distante casinha, trabalhava como enfermeira, cuidando da velha senhora que morava na casa enorme de muitos quartos.
      Era véspera de Natal. O lindo pinheiro verde, enfeitado com bolas multicoloridas e guirlandas prateadas, postava-se, imponente, ao lado da lareira, mas, faltava, naquela sala, o espírito da alegria.
      “Mais um Natal!”, suspirou a senhora.
      “Mais um Natal!”, respondeu, sorrindo, a mãe da menina.
      “Pois eu não gosto dessa data. Lembro-me de meus filhos, tão longe de mim!”
      “Eles nunca vem lhe visitar? Nem mesmo no Natal?”
      “Eles não podem, infelizmente! A guerra os levou…”
      “Meu marido também está no front, mas eu e Maya comemoramos o Natal como se ele estivesse presente!”
      “Eu não consigo! Esta velha casa enche-se de ecos de outros Natais e a tristeza se instala em toda parte!”
      Pois, se a senhora não se incomodar com a simplicidade de minha casa, poderemos comemorar juntas o nascimento do menino.” “Em casa, não temos árvore neste ano.” “Meu Slava não estava lá para cortar o pinheiro, mas…Maya fez umas guirlandas com galhos de ciprestes, fitas e flores secas e enfeitou a casa com elas. Está preocupada com Papai Noel…Imagina que, ele não vendo a árvore, pensará que em casa não há crianças, e não deixará a boneca que ela tanto lhe pediu…”
      “Penso até que seja melhor assim” ponderou… “Os tempos tão difíceis, onde encontrar uma bonequinha para ela?”
      Os olhos da velha senhora encheram-se de lágrimas. Ela levantou-se em silêncio e, vagarosamente, venceu os degraus até o sótão. Dirigiu-se ao baú, e, lá no fundo, em meio a antigos objetos guardados há anos, encontrou a boneca que um dia lhe pertencera. Era linda! Seu rosto de porcelana, desbotado pelo tempo, dava-lhe um ar diáfano de fada. Os cabelos loiros, em ondas embaralhadas, precisariam de uma arrumação, bem como o vestido de cambraia, rosado, que perdera sua roda de goma. Nada que uma boa passada a ferro não pudesse resolver.
      “Veja! Resolvemos o problema de Papai Noel!” Vamos fazer um belo embrulho e deixar debaixo de minha árvore.”
      “Venham, você e Maya, passar a noite de Natal comigo!”
      E foi assim que a menina que morava na casinha distante, tomou posse da boneca esquecida há anos, no baú do sótão da velha senhora.
      Papai Noel, em seu etéreo mundo, coçou a cabeça, feliz, enquanto riscava três pedidos de sua longa lista de presentes! Três não…quatro, se contarmos também o desejo da boneca, acalentado em sua cabecinha de porcelana! Esta foi, para todas elas, a noite mais feliz, dentre muitas que teriam pela frente!
      (Ludmila Saharovsky)
      (Em tempo: todos os personagens dessa história são verdadeiros!)

        

        Contos de fada


        “Era uma vez uma menininha que amava ouvir histórias e toda a noite pedia a sua amada avó que lhe contasse alguma. Diante de seus olhos se descortinavam terras distantes, castelos mágicos, princesas perdidas. Criaram infintos mundos de possibilidades dentro de sua pequena realidade de criança.” Nos dias de hoje surge uma exigência cada vez maior de contato com a realidade externa. Os pequenos são submetidos a tantas atividades que lhes favoreça um futuro produtivo. Esquecem da necessidade de criar uma estrutura psíquica saudável em que o mundo interno se constitua e possa dialogar com a realidade externa.
        Contar histórias é oferecer material da melhor qualidade para formação de um mundo interno para as crianças. Abre espaços para imaginar e criar imagens próprias muito particulares, ao mesmo tempo que introduz a criança ao universo de conhecimento acumulado da humanidade. Partindo do mágico e do fantástico introduz-se valores que auxiliam na mediação entre o interno e o externo.
        Falando através de imagens diretamente ao inconsciente, as histórias podem trabalhar conflitos e indagações da criança, oferecendo-lhes chaves e soluções possíveis. Geralmente encanta-se com uma e pede que a repita à exaustão, elaborando assim dificuldades que nem sempre sabe expressar.
        Ao entrar em contato com a história aquele que conta também resgata sua criança interior e relembra o encantamento possível de uma infância distante. Favorece a proximidade amorosa entre as diferentes gerações e cria um ambiente de gentileza e ternura.
        Enfim, contar e ouvir histórias alimenta nossa dimensão mais sagrada: alimenta nossa alma.
        (Cassia Simone, autora do blog http://www.perspicassiasfelinas.blogspot.com/

        Cássia, querida!
        Publico o texto que me enviou, agradeço-lhe e lhe abraço com todo o meu carinho!
        Ludmila

          

          A princesa rã (final)

          Pela manhã, enquanto tomava o desjejum preparado pela bruxa, Ivan Tsarevich contou-lhe a sua triste história. BabaYagá foi toda ouvidos, e, ao final, disse:
          “Você está com muita sorte, Ivan Tsarevich!”
          “Kashey , O Imortal é meu velho inimigo!” “Temos uma rixa que já dura há séculos, e eu vou ensinar-lhe como ele poderá ser derrotado.” “Eu usarei você para levar avante a minha vingança, e você conseguirá a sua Vassilissa como prêmio!” “ Estamos combinados?”
          Ivan Tsarevich aceitou, de imediato, a proposta da bruxa.
          Ah! Baba Yagá era muito esperta! Não foi à toa que ela recebeu Ivan Tsarevich em sua isbá dançante, com tanta consideração: banho quente, cama de penas, mesa farta… Nem parecia a bruxa terrível que conhecemos!
          “Ouça bem o que vou revelar-lhe!” segredou ela com sua voz de taquara rachada:
          “A morte de Kashey está na ponta de uma agulha.”
          “A agulha está dentro de um ovo.”
          “O ovo está dentro de uma garça.”
          “A garça está no coelho.”
          “O coelho está num antigo baú.”
          “O baú está pendurado no galho mais alto de um velho carvalho.”
          “O carvalho está no cume de uma montanha.”
          “A montanha é tão íngreme, que não se pode escalar.”
          “E o próprio Kashey a vigia dia e noite, com seu espelho encantado!”
          “Ah! E tem mais um detalhe: “na base do carvalho mora uma serpente de três cabeças, que precisa ser derrotada!”
          “Ah, Baba Yagá! Agora entendo porque Kashey é Imortal. È impossível chegar a esse carvalho!”
          “Aí é que você se engana, meu caro jovem!” Só eu sei como chegar a ele!”
          Baba Yagá foi até o fundo da floresta e voltou com um garboso cavalo branco, que tinha um par de asas maravilhosas. “Aqui está meu Cavalo Alado.” “Ele o levará até o topo da montanha.” “Depois disso, é com você!”
          Ivan Tsarevich agradeceu à bruxa, montou no Cavalo Alado, que voou com o príncipe em direção à Montanha de Kashey Besmertniy!
          O velho feiticeiro acompanhava todo o movimento através da imagem cristalina de seu espelho mágico. Ele ficou furioso quando percebeu que Ivan Tsarevich aproximava-se de sua montanha pelo ar! “Ah! Aquela Velha Bruxa Insuportável! Ela que aguardasse!”
          “Ri melhor quem ri por último!” vociferou!
          Ensandecido, Kashey correu aos aposentos de Vassilissa e, tocando nela com seu condão, transformou-a imediatamente numa estátua de ouro. “ Por via das dúvidas”…pensou!
          Correu então à Sala do Espelho para apreciar sua serpente dar cabo de Ivan Tsarevich.

          O príncipe lutava bravamente contra o Monstro. O cavalinho alado voava de um lado para outro, numa velocidade que deixava as cabeças da serpente meio tontas! Enfurecida, ela soltava chamas imensas pela boca, mas, o cavalo, mais ágil e veloz, conseguia escapar e partir para nova investida, de um lado completamente inesperado! Assim, o príncipe conseguiu decepar, uma a uma as cabeças do monstro, até que enfiou sua espada bem no meio de seu coração e o matou!
          Uma nuvem negra cobriu a Sala do Espelho, e Koshey soltou um urro de dor ensurdecedor!
          Ivan Tsarevich, agora, empenhava-se em derrubar o carvalho, mas, sua força era insuficiente. Nisso, apareceu a mamãe ursa, que ele havia poupado de matar, lá no meio da história, que lhe disse:
          “Estou aqui para ajudá-lo, caro príncipe, conforme prometi!” O animal, enorme, jogou o peso de seu corpanzil contra o tronco do carvalho, que não resistiu e se quebrou. Nesse instante, o baú que estava dependurado sobre seu galho mais alto, soltou-se das correntes que o continham e espatifou-se no chão. Dele saiu o coelho correndo mais que as pernas, então apareceu a loba, que Ivan deixara viver e caçou o coelho. Nesse momento, o coelho transformou-se numa garça e saiu voando para o céu. Então, surgiu a águia que matou a garça e o ovo, dentro dela, foi caindo…caindo…e caiu dentro do lago, afundando em seguida!
          _”Ai, ai ai…”lamentou-se-se Ivan Tsarevich, desolado!
          “Mas que triste a minha sina!” “Depois de conseguir chegar ao topo da montanha, derrotar a serpente, derrubar o carvalho, quebrar o baú, matar o coelho, caçar a garça e liberar o ovo, agora eu fui perdê-lo na água!”
          Nisso, quem é que surge, das profundezas do lago, trazendo o precioso ovo dentro da boca? O peixe, cujo filhote Ivan Tsarevich libertou da rede!
          “Aqui está seu ovo, meu príncipe!” “Eu não disse que lhe seria útil se me ajudasse?” “Promessa é dívida!”
          Enquanto tudo isso se passava, Koshey Besmertniy, reunido ao seu séqüito de aves de rapina, preparava-se para voar até onde estava Ivan Tsarevich para matá-lo e recuperar seu precioso ovo, que lhe garantia a imortalidade. Ele mesmo transformou-se num enorme urubu rei, com coroa de ouro e tudo, e partiu voando com seus pares, em direção à beira da lagoa, onde Ivan Tsarevich não conseguia quebrar o ovo, por mais que se esforçasse: Jogou-o ao chão, pisou nele com toda a força de suas botas, tentou partí-lo com sua espada, esmagá-lo com uma pedra…Nada! O ovo era inquebrável!
          Foi quando veio em seu auxílio, o filhotinho de águia, que também havia prometido ajudá-lo, vocês se lembram?
          “Ivan Tsarevich…Você está fazendo tudo errado!” “ Não é assim que se abre um ovo”
          “Eu tenho experiência no assunto, afinal, tive que abrir o meu para nascer!” “Deixa-me quebrá-lo para você!”
          E, com uma bicada precisa no lugar certo, o ovo partiu-se, revelando em seu interior, uma fina agulha de ouro!
          Foi o tempo exato! Mal Ivan Tsarevich conseguiu amarrar a agulha na ponta de sua seta, e já uma nuvem negra aproximava-se de nosso herói, a uma velocidade enorme! Quando seus olhos acostumaram-se à escuridão, Ivan pode perceber que era um bando gigantesco de urubus que voava em sua direção, comandado pelo mais repelente deles, que voava à frente, com uma coroa de ouro na cabeça!
          Ivan Tsarevich não teve dúvidas! Mirou e atirou sua seta com a agulha de ouro na ponta, que foi certeira, cravar-se bem no coração do urubu rei.
          Quando caiu no chão, não era mais a ave de rapina que agonizava, mas o próprio Kashei Besmertniy que se desvanecia numa fumaça negra, enquanto todos seus urubus caíam mortos, forrando as águas do lago com seus corpos inertes!
          Ivan Tsarevich, finalmente tinha acabado com Koshey!
          Com sua morte, ruíram os portões de seu castelo, e todas a plantas, animais e pessoas enfeitiçadas, transformadas pelo feiticeiro em estátuas de ouro, começaram a voltar à sua forma original. Assim também Vassilissa, foi aos poucos saindo de sua inércia de estátua e adquirindo as formas da linda princesa que ela era.


          Em pouco tempo, Ivan Tsarevich atravessou os escombros do palácio e colocando a sua Vassilissa montada no Cavalo Alado, voaram juntos para o reino de seu pai, onde viveram felizes por muitos e muitos anos, enchendo os jardins do palácio com lindos filhos para o deleite do Tzar.
          E assim termina essa história, que entrou por uma porta, saiu pela outra e quem quiser que conte outra. (Ludmila Saharovsky)

          (Esse conto de fadas russo foi recontado por mim, de memória. Peço a todos que quiserem apropriar-se da história, que, por gentileza, mantenham meus créditos. E também os créditos das belíssimas ilustrações, que são dos pintores russos, Ivan Bilibin e Victor Vasnetsov, feitas no início do século passado. Um grande abraço, obrigada a todos vocês pela leitura, pelos comentários e até a próxima fantasia… Beijos! Ludmila)

            

            A Princesa Rã (segunda parte)

            Enquanto Vassilissa dançava….

            Ivan Tsarevich correu para sua casa, para entender o que havia acontecido. Onde estaria sua rã? Chegando, procurou por toda parte, sem encontrá-la: no jardim, ao lado da lagoa que construiu especialmente para ela, na fonte, nos canteiros de roseiras, no gramado… Nada! Ao entrar no quarto, compreendeu! Aos pés da cama, estendida sobre o tapete, estava apenas a pele de rã. Ah! Então aquela linda moça era, de fato, sua esposa! Rapidamente ele pegou aquela pele e a atirou na lareira acesa, para que queimasse e nunca, nunca mais sua mulher pudesse voltar a ser aquela estranha rã com a qual casara.
            Voltando para casa, Vassilissa correu para vestir novamente sua pele, e não a encontrando, perguntou, desesperada: “Ivan Tsarevich! Ivan Tsarevich! Onde você escondeu a minha pele? Por favor, me devolva logo! Preciso vesti-la já!”
            “Ah, minha linda esposa…nunca mais poderá vesti-la! Eu a queimei!”
            “Queimou? Como queimou? Com que direito!” Ah! Ivan Tsarevich…sabe o que você fez?” Faltavam apenas mais três dias para que o feitiço que Koshei Besmertniy me lançou terminasse…Agora, eu serei dele para sempre!”
            “Como? Eu não permitirei que ele tire você de mim! Você é minha esposa, a nora predileta do Tzar…ele que ouse….”
            Antes que Ivan Tsarevich terminasse a frase, uma ventania em forma de redemoinho abriu as janelas do quarto, suspendeu Vassilissa no ar e sumiu com ela num piscar de olhos, em meio a uivos e gargalhadas sinistras! Hahahahahahaaaaaaiiiiiiiiiiiii!

            Pobre Ivan Tsarevich! Na mesma noite em que descobriu que se casara com a moça mais linda do reino, interferiu no feitiço e a perdeu para sempre!
            Mas, Ivan Tsarevich era obstinado e destemido. Selou seu cavalo mais veloz e partiu em busca de sua princesa. Custasse o que custasse iria encontrá-la e salvá-la!
            E assim, tomou a direção em que atirou sua flecha pela primeira vez e pôs-se a cavalgar. Por mais que indagasse, ninguém sabia responder onde morava Koschei, o Imortal! À simples menção de seu nome, faziam o sinal da cruz e se afastavam, até que cruzou com um ancião que lhe disse: “É você quem está procurando por Koshey Besmertniy?
            “Sim , vovozinho!” “ Preciso encontrar minha esposa que ele enfeitiçou e depois raptou!”
            “Então eu vou ajudá-lo: vou dar-lhe um cogumelo encantado”. “Coloque-o no chão e siga na direção em que ele o guiar.” “Não o perca de vista!” “Ele o levará à casa de Baba Yagá.” “Ela odeia Koshey, de morte, e é a única pessoa que poderá dizer-lhe onde e como encontrá-lo!”
            Ivan Tsarevich agradeceu muito ao velhinho e, ao colocar o cogumelo no chão, esse partiu em disparada, e Ivan atrás! Galopou e galopou em seu alazão, até que entrou na grande floresta! De repente, o cogumelo parou de correr e o cavalo de Ivan empinou, assustado. Uma enorme mamãe ursa estava no meio do caminho acompanhando seu ursinho. Ivan Tsarevich pegou seu arco, armou-o com a maior flecha que tinha e, quando mirou na ursa para atirar, ela lhe falou, com sua grossa voz de animal, o olhar pedindo clemência:
            “Eu lhe imploro, nobre cavaleiro…não me mate!” “O que será de meu filhote, sozinho e indefeso nessa floresta?” “Se me deixar viver, garanto que eu lhe serei útil, quando precisar!”
            Ivan Tsarevich, que tinha um bom coração, condoeu-se da ursa com seu ursinho e deixou que eles prosseguissem seu caminho.
            O cogumelo mágico pôs-se em disparada outra vez, e Ivan Tsarevich atrás dele. Cruzaram então, pelo caminho, com uma loba e seus lobinhos, e a história se repetiu: “Não me mate, nobre senhor, e eu lhe serei muito útil, prometo!” E Ivan seguiu adiante.
            Cruzou com uma águia enorme, que voava com sua aguiazinha, e também não conseguiu matá-la, porque ela lhe prometera, como os outros animais, que seria muito útil se lhe poupasse a vida. E até seu filhotinho, agradecido, prometeu que iria ajudá-lo, quando precisasse!
            Já estava entardecendo quando nossos viajantes resolveram dar uma rápida parada na beira de um lago, para descansar e matar a sede. Quando Ivan Tsarevich inclinou-se para beber, viu um peixe enorme vindo em sua direção, que lhe implorou: “Nobre príncipe, meu filho caiu na rede que os pescadores estenderam, e eu não consigo desembaraçá-lo!” “Se você me fizer o favor de salvá-lo, eu lhe prometo que serei útil, quando de mim precisar!”
            Ivan Tsarevich foi até a rede, onde debatia-se um lindo peixinho dourado, tirou-o das malhas e o devolveu ao lago. Despediu-se do peixe grande e seguiu viagem.

            Ao anoitecer, finalmente, enxergaram a indescritível casa de Baba Yagá. Ela brilhava no escuro com sua cerca de ossos humanos, encimada por caveiras de olhos flamejantes.
            A casa rodopiava sobre seus pés de galinha enormes, virando de um lado para outro, parando ora num pé, ora noutro, sacolejando, subindo e descendo o tempo todo.
            “Pare de dançar, isbá, e deixe-me entrar!” ordenou Ivan Tsarevich, e a casa, como por encanto, virou-se para ele com a porta aberta, de onde Baba Yagá já espiava.
            “Quem é você, e como se atreve a dar ordens para a minha cabana?”
            “Mas que velhinha mais mal educada! Eu sou Ivan Tsarevich, filho do Tzar, e estou viajando há dias para encontrá-la!” “Deixe-me entrar, prepare-me a tina com água quente para o banho, ofereça-me uma refeição, permita que eu durma e então, descansado, eu lhe direi o que me traz de tão longe aos seus domínios!”
            E assim aconteceu.
            Pela manhã…

              

              A Princesa rã (Tsarevna Liagushka)

              os maiores ilustradores dos contos russos foram Vasnetsov e Bilibin. Aqui, uma página ilustrada por Bilibin.

              Nos contos de fada russos, os mesmos personagens protagonizam inúmeras histórias diferentes.
              Assim, Ivan Tsarevich (o filho caçula do Tzar, que parece sempre levar a pior, mas sai vencedor, em todas as histórias) Baba Yagá (a temida bruxa canibal, que, às vezes revela sua face mais piedosa) Koshey Besmertniy,(o terrível mago imortal, que reina nas profundezas e nos abismos) a bela Vassilissa, o imperador Berendéi, e muitas outras figuras mitológicas, estão sempre vivendo incríveis aventuras que encantaram e continuam encantando jovens de todas as idades.
              Hoje, eu contarei a história da Princesa Rã, protagonizada também pela Vassilissa Formosa.
              Já é sabido que, sempre, quem conta um conto, aumenta um ponto, assim, essa versão da história é a que eu aprendi, ouvindo os meus avós e que reconto aos meus netos. Vamos a ela!

              Apresento-lhes Koshey Bezmertniy. Ele é um bruxo malvado, poderoso, ambicioso e imortal. Um de seus palácios fica nas profundezas de uma montanha praticamente inacessível, onde ele reina sentado sobre um trono de ouro. Aliás, ele tem o poder de transformar em ouro tudo o que deseja. Assim, ele imortaliza suas posses. Ele tem como aliados, os corvos medonhos, de olhar aguçado, que lhe trazem notícias do mundo dos vivos, e um dragão de três cabeças que guarda seus domínios.
              Um belo dia, os corvos vieram contar ao Koshey, que numa casa perto da floresta morava uma moça de beleza invulgar. Seu nome era Vassilissa Formosa. E Koshey, imediatamente, desejou-a para si. Mandou um vento forte apanhar Vassilissa no jardim de sua casa e trazê-la para seu palácio. Quando Vassilissa chegou, Koshey apaixonou-se por ela e lhe propôs torná-la sua Rainha do Mundo Abissal.

              “Nunca!” Respondeu Vassilissa! “Olhe para você! Olhe para seu reino. Aqui nada tem vida! Tudo é de ouro…os pássaros, as árvores, os lagos.”
              “Então…Não são uma preciosidade? Respondeu Koshey. “ Tudo será seu, se aceitar tornar-se minha esposa!”
              “Eu jamais aceitarei ser sua esposa! Nem por todo o ouro do mundo! Você é um velho repelente! Não se enxerga?”
              Koshey, bufando de ódio, pois jamais fora contrariado, lançou um encanto sobre Vassilissa: “Vou transformá-la numa rã! Durante três anos e três dias você viverá num brejo, pensando sobre minha oferta! Quem sabe, depois desse tempo, mude de idéia!”
              E assim fez! Vassilissa, transformada em rã, foi deixada num encharcado distante, onde sua vida era coaxar e comer insetos!
              Não muito longe dali, ficavam as terras e o palácio do Tzar Berendéi e seus três filhos: três jovens mancebos, belos e obedientes. Certa manhã, o rei pediu aos filhos que viessem até ele, pois precisava ter uma séria conversa com todos.
              “O tempo está passando, e eu já sinto falta de embalar meus netos em meu colo. Vocês estão crescidos o bastante para casar e me dar esses netos.”
              “Mas pai, nem noivas nós temos ainda! Onde vamos conseguir moças suficientemente prendadas para serem suas noras?”
              “Isso não é problema!”
              “Aí estão três arcos com três flechas. Vocês peguem os arcos e atirem na direção que bem lhes aprouver. Onde a flecha de cada um cair, ali estarão as suas esposas.”
              Os príncipes pegaram os arcos e as flechas e saíram para o campo.
              A flecha do primeiro príncipe caiu na casa de um nobre boiardo, que tinha uma linda filha que foi levada ao Tzar.
              A flecha do segundo caiu na propriedade de um rico mercador, e sua filha também foi levada à presença do Tzar.
              E a flecha de Ivan Tsarevich, o príncipe caçula, perdeu-se em meio ao brejo, indo cair justamente ao lado da rã, que era Vassilissa, encantada por Kashey..
              Quando Ivan viu o que havia acontecido…ficou desolado!
              “E agora! Como vou levar uma rã para apresentar ao meu pai como minha futura esposa?” pensou em voz alta.
              “Ivan Tsarevich”, disse a rã… “Não fique tão desapontado! Você precisa me levar ao palácio e me apresentar como sua noiva…não foi isso que prometeu ao seu pai?”
              E o pobre príncipe, colocando a rã no bolso, votou ao palácio.
              As bodas foram marcadas em meio a grandes festejos que duraram semanas! Os dois irmãos de Ivan desfilavam, todos garbosos, com suas lindas esposas à tira colo, enquanto o pobre caçula, esquivava-se entre os convidados com a sua rã sentada na palma da mão, sendo motivo de chacotas de todo os presentes! Que triste sina!

              Passado algum tempo, o Tzar chamou os filhos e lhes disse:
              “Quero saber qual de minhas noras é a melhor tecelã.” “Ordeno que elas teçam um tapete no decorrer desta noite, e amanhã cedo, vocês os tragam para mim!”
              Correram os três filhos para as suas casas e passaram a ordem do Tzar às esposas. Elas, logo arregimentaram as melhores tecedeiras e bordadeiras do reino, que se puseram a trabalhar!
              O pobre Ivan Tsarevich chegou em casa cabisbaixo!
              “ O que te preocupa, meu marido?” perguntou a rã.
              “Meu pai ordenou que suas noras lhe tecessem um tapete numa noite! Como uma rã poderá dar conta do pedido do Tzar?”
              “Não se preocupe, meu marido! Deite-se e durma bem, que pela manhã, o tapete estará pronto.”
              Enquanto Ivan dormia, Vassilissa recolheu a brisa da noite, na qual incrustou as estrelinhas com seu brilho, os passarinhos com suas canções, as árvores com seu farfalhar de folhas, a grama com seu tapete de orvalho, as nuvens de algodão e teceu um tapete tão lindo como jamais olhos humanos viram igual. Dobrou-o bem, colocou numa caixinha e foi dormir também.
              Pela manhã, entregou a caixinha a Ivan e disse: “Aí está meu tapete, leve-o para o Tzar”.
              Pela manhã, o rei já estava esperando pelos filhos.
              “Bem…mostrem-me as artes de suas esposas!”
              O tapete que o primeiro filho desenrolou, o Tsar mandou-o para cobrir o chão das estrebarias reais. O tapete do segundo filho mandou colocar na entrada do salão principal, para que os convidados nele limpassem os pés, e quando Ivan Tsarevich retirou da caixinha a delicada tapeçaria feita por sua esposa rã, todos quedaram-se maravilhados com a beleza de tal arte! O pai felicitou Ivan, e mandou que seus servos pendurassem o tapete na parede por trás de seu trono, no lugar de honra, de tal modo que pudesse ser apreciado por todos que por ali passassem!
              “Hoje à noite vamos celebrar a escolha do melhor tapete” disse ele. “Tragam suas mulheres para o banquete real!”
              “A minha também, paizinho?” perguntou Ivan.
              “A sua principalmente, meu rapaz! Quero felicitá-la pessoalmente!”
              Ivan, cabisbaixo, voltou novamente para sua casa.
              “O que foi, meu marido? Seu pai não gostou de meu tapete?”
              Pelo contrário, rãzinha…Gostou tanto que resolveu comemorar com um grande baile e quer que você compareça! Mas…como vou mostrá-la a todo o reino?”
              “Ah, mas isso não é problema, marido! Só que você deverá ir ao baile na minha frente e, já vou lhe avisando:”
              “Quando ouvir um estrondo, não se assuste! Diga apenas:”
              “É a minha princesa rã chegando em sua carruagem… E deixe o resto por minha conta!”
              E assim chegou a noite.
              O palácio estava todo enfeitado para o baile. Os convidados chegavam de todo o reino, curiosos em saber o motivo daquela comemoração.
              Os dois príncipes surgiram com suas esposas ricamente vestidas, e Ivan, sozinho, avisou a todos que sua esposa chegaria mais tarde, pois se atrasara nos preparativos para a festa.
              “Vamos ver uma rã vestida de princesa….riam e comentavam entre si os convidados…”
              Quando o banquete já ia pelo meio, ouviu-se um estrondo que deixou a todos assustados!
              “Não se preocupem”, falou Ivan Tsarevich. “É apenas a minha princesa rã, vindo em sua carruagem…”

              Para espanto de todos, ao abrir-se a porta, apareceu Vassilissa Prekrasnaia, maravilhosa, em todo o seu esplendor de princesa! Os cabelos ricamente trançados, o vestido ricamente bordado, os sapatos ricamente recobertos por pedras preciosas!
              As pessoas não acreditavam no que viam, e o próprio Ivan Tsarevich ficou mudo de espanto!
              “Desculpe o atraso, meu Tzar. Eu sou Vassilissa, sua nora, esposa de seu caçula Ivan Tsarevich.”
              O Tzar derreteu-se diante de sua formosura e pediu-lhe que se sentasse a seu lado.
              Todos os olhos, aquela noite, não conseguiam desgrudar-se da bela Vassilissa, que riu, comeu, conversou e dançou a noite inteira, encantando a todos os presentes.
              Enquanto Vassilissa dançava, Ivan Tsarevich…

                

                Sereia


                (foto de Michael Dweck)

                Um conto quase de fadas

                Era um lugar incomum. Não ficava entre vales nem florestas, sempre tão presentes em todos os contos de fadas. Este localizava-se em meio às falésias banhadas pelo mar. Nele instalou-se a sereia. Seu canto mavioso não tardou a ecoar pelos rochedos, até chegar aos ouvidos do monarca. Quem canta melodia tão sublime? indagou maravilhado, e, a partir de então, perdeu a paz. Diariamente vencia os incontáveis degraus que o levavam à torre mais alta do castelo, para melhor usufruir daqueles acordes trazidos pelo vento. Curiosidade indomada, reuniu seus cavaleiros e partiu em direção àquela voz, alcançando, após longa travessia, a base do íngreme penhasco.
                Cansados, os cavalos empinaram rebeldes. Exaustos, imploraram os homens, ao regente, que tivesse piedade! As rochas limosas erguiam-se intransponíveis!
                Em frente! ele bradou, e todos o seguiram. Os picos afiados cortavam as carnes sem piedade. Muitos quedaram mortos, atravessados pelas afiadas lâminas de pedra, mas o rei, infatigável, prosseguiu a escalada. Finalmente, alcançando o topo, a descobriu: Metade peixe, metade mulher, ela penteava os longos cabelos negros e cantava, refletida no espelho de águas cristalinas.
                Ah…Se lograsse descer sem provocar ruídos, poderia facilmente captura-la. E assim o fez. Quando seus olhos se cruzaram, jogou sobre a sereia a espessa rede, tecida com grossos fios de prata. Em vão debateu-se a presa, na longa viagem de regresso. Por fim, sem água que lhe umedecesse as escamas, começou a agonizar, mas as altas torres do castelo, em meio às nuvens, tornavam-se visíveis pela caravana. O mais rápido cavaleiro já atravessara a ponte levadiça com ordens expressas do monarca: A fonte preenchida por água salobra, aguardava pela rara visitante. Dias e noites permaneceu o caçador cuidando da cativa, que vagarosamente, recobrava o alento. Triste porém, sua boca não se abria para emitir um simples som, um único ruído. O rei enamorado, lhe implorava, inutilmente, que cantasse. Em vão murmurava juras de amor, ignorando que a exótica criatura só entendia a linguagem das ondas e do vento. E assim, passou-se o tempo. O monarca, sem entender porque era preterido, vagava cabisbaixo pelo reino. E a sereia desconhecendo porque fora capturada, consumia-se numa tristeza inconsolável. Uma tarde, descobrindo o soberano duas grossas lágrimas escorrendo pelas faces de sua eleita, conclamou os alquimistas, os magos, as feiticeiras: Que transformassem a sereia em mulher! Quem sabe desta maneira, conseguiriam entender-se! Assim, numa noite de lua cheia, surgiu a enigmática princesa. Correram as camareiras e cobriram seu corpo nu com as mais ricas vestes. Vieram os artesãos e adornaram seu colo alvo, com jóias raras. E foram convocados malabaristas para ensinar-lhe a difícil arte de equilibrar-se sobre as longas pernas. Era perfeita! Só lhe faltava o dom da fala e o desejo de assumir-se assim: humana. O casamento foi marcado em meio a infindáveis festejos e, na manhã do grande dia, em vão procurou-se pela noiva. Rastros de passos leves indicavam que ela partira de volta para o mar. Quando o rei subiu pela segunda vez ao topo do rochedo, já não avistou nem a princesa, nem a sereia. Apenas, nas águas cristalinas, percebeu o reflexo de um peixe raro, de exuberantes formas, e no ar, envolta pelo vento, a última canção de adeus.
                (Ludmila Saharovsky)

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