Refletido no espelho
As rugas não mudam
Meu sorriso de ontem.
(Ludmila)
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Manoel de Barros
Lápis
Manoel de Barros
É por demais de grande a natureza de Deus.
Eu queria fazer para mim uma naturezinha
Particular.
Tão pequena que coubesse na ponta do meu
Lápis.
Fosse ela, quem me dera, só do tamanho do
meu quintal.
No quintal ia nascer um pé de tamarindo apenas
Para uso dos passarinhos.
E que as manhãs elaborassem outras aves para
Compor o azul do céu.
E se não fosse pedir demais eu queria que no
Fundo corresse um rio.
Na verdade, na verdade a coisa mais importante
Que eu desejava era o rio.
No rio eu e a nossa turma, a gente iria todo
Dia jogar cangapé nas águas correntes.
Essa, eu penso, é que seria a minha naturezinha
Particular:
Até onde o meu pequeno lápis poderia alcançar.
Quando minha mãe se foi ( aos 52 anos de idade) eu comecei a escrever – para amenizar e entender a dor que sentia frente à morte – poemas que batizei com o título “No útero de Deus”. Dividi o livro em três fases: Fase do medo, fase da aproximação e fase da entrega. A trajetória desse livro seguiu um caminho independente. Ele foi trabalhado em oficinas de redação e criação literária, pela minha amiga Dyrce Araujo e acabou virando trabalho de conclusão de curso universitário, do hoje professor, ator e um grande e querido amigo, Roberval Rodolfo. A seguir transformou-se em peça teatral que percorreu por dois anos o Vale do Paraíba. Os poemas foram também traduzidos para o russo por Irina Orlova. Até hoje o livro não foi editado. Talvez nem precise mais! Dele, publico para vocês um poema da Terceira fase, da entrega. Saudades, minha mãe! Saudades!
Quero que me cubras
Com terra fresca e fértil.
Flores nascerão de mim
Feito palavras
E transmutada
Em frutos e sementes
Renascerei em ti
Vestida de primavera.
(Ludmila Saharovsky)
Томлюсь мечтою:
Чтоб всю меня
Прохладной,
Плодородною землёю
Покрыли,
Чтоб родились цветы во мне,
Отлитые словами,
И, превращённые
В плоды и семена,
В тебя обратно возвратились.
(Tradução para o russo de Irina Orlova)
A morte do poema
Nascem flores
Navegante
Pulsações
Outubro é das crianças!
As Fadas
As fadas… eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar…
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira mar…
Algumas em fonte fria
Escondem-se, enquanto é dia,
Saem só ao escurecer…
Outras, debaixo de terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder…
(…)
Umas têm mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem nas mãos
Aquela vara famosa,
A vara maravilhosa,
A varinha de condão!
O que elas querem, num pronto
Fez-se ali! Parece um conto…
Mesmo de fadas… eu sei!
São condões, que dão à gente
Ou dinheiro reluzente
Ou jóias, que nem um rei!
(…)
Quantas vezes, já deitado,
Ma sem sono, ainda acordado,
Me ponho a considerar
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar…
O que seria? Um tesouro?
Um reino? Um vestido de ouro?
Ou um leito de marfim?
Ou um palácio encantado,
Com seu lago prateado
E com pavões no jardim?
Antero de Quental,
Tesouro Poético da Infância,
Lello & irmão Editora
David Mourão Ferreira, poesia
Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada…
Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio…
Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo…
Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!
David Mourão-Ferreira, in “Infinito Pessoal”