Os sentidos isolados pela névoa
insistem em nomear formas
que existem em si mesmas
antes de fecundarem as palavras.
(Ludmila Saharovsky)
Despertam em mim
As cores cintilantes deste céu de outono.
Lilazes energias emergem na manhã
ancorada na cantinela dos pássaros,
no gélido afago do vento,
nas gotas de orvalho que de luz preenchem
a trilha operosa das formigas.
Transborda a luz do sol no horizonte
E ele me sorri por entre nuvens claras:
Amanheceu!
(Ludmila Saharovsky)
Farol na noite, essa lua cheia floresce
rasgando o silêncio de tantos naufrágios
e reina, soberana, sobre os instintos e as águas.
Seu canto secreto ecoa nas profundezas da noite
e desperta santos e dragões
ocultos em seu corpo cristalino de mil faces.
Ilha de assombro e mel,
carne transcendente e fecunda das marés,
nela se ancoram, desde sempre, menestréis e musas.
Latejar do verbo pressentido, mãe ancestral,
em seu colo de marfim repousa a semente dos delírios.
Quando ela surge, explodindo em claridade,
todos os mistérios reflorescem em mim
e ganham corpo e vida.
(Ludmila Saharovsky)
Mãe
I.
Fluo por um rio secreto
e num mar oculto
ora navego:
Útero? Nave? Caverna?
Labirinto?
Só sei que em ti
meu vir a ser se prende
por um tênue fio…
II.
E, finalmente, a travessia
agora para a luz
e o assombro.
Fora de ti
leite e abismos
medo e paixão
e, para sempre,
essa atração eterna
por teu colo…
III.
É minha a tua herança
de placenta e sangue.
Memória imantada em
visgo e mel
e o romper do óvulo
por onde, em segredo,
a semente da vida
me penetra
e, em mim, se prende
por tênue fio…
(Ludmila Saharovsky)
(Ludmila Saharovsky)
SONETO DA SEXTA FEIRA DA PAIXÃO
Morto. Como também já morre o dia
mas continua a ser noutros lugares?
Ou morto diariamente nos altares
por ser diversa a morte que morria?
O corpo morto: azul melancolia
do mesmo azul perdido pelos ares,
vivo azul sobre os campos, sobre os mares,
sobre a clara manhã ou a hora tardia.
Um corpo morto. Um corpo morto de homem
igual a esses cadáveres da guerra
que as batalhas atraem e consomem?
Ou um que junta o mundo à sua sorte,
contempla a sombra em torno e desce à Terra
e morre em solidão e vence a morte?
(Poesia de Carlos Pena Filho de seu Livro Geral)