Vou partir
como se fosses tu que me abandonasses.
Diário de uma paixão
Procuro teu perfume, teu ombro, tua mão no respirar morno das casas. Revolvo-me no branco dos lençóis, como o mar se revolve contra as paredes, em maré viva. O sopro de teu sono humedece-me o peito. Manhã confusa, nevoenta luz onde se quebra o pesadelo. Procuro-te, peixe alucinante, no fundo lodoso de mim. O dia nasce como um travo a sol frio, e eu dum lado para o outro, dentro de exíguo quarto. O tênue tecido das cortinas separa o sonho vivido em ti da cidade há muito acordada…
Peregrino de líquidas estradas. Peregrino dos metálicos subúrbios, onde o grito mudo nos anestesia. Viajante das luas marítimas, beijar-te, ter-te nos dedos e no calor da pele. Acredito, amor, que a sensação de uma luminosidade percorre teu corpo navegante. Viajar contigo nas flores húmidas dos bosques, no musgo sumarento dos ventos que te devastam o corpo. Descansar em cima do gigantesco nenúfar lavrado na tempestade. Viajar contigo dentro duma flor branca, carnívora. Adormecer os sentidos no pólen metálico do mastro, sem horas, viajar como qualquer coisa atirada ao rio que, flutuando, se desintegra no tempo. E ficaremos ali, imóveis, à espera de nada. Murmúrio de estiolada lua que me povoa o sonho. Ilha nua em canto fúnebre. Ó meu amante, meu porto de regresso, templo nu, junto ao mar que arrasta nossos corpos liquefeitos, e semeia ossos na marítima memória…
* trechos retirados do livro O MEDO, de Al Berto, da Editora Assírio & Alvim
Como ficar imune a tanta beleza?
Meus pensamentos viajam nas imagens desses textos, que sempre me emocionam e inspiram! (Lud)