Indizível nome

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Doce…que seja doce o poema, mas, o coração estremece ante o arbítrio do barro misterioso no qual germinam as sementes das palavras. E é entre soluços que eu o concebo. Doto-o de guelras para que respire e de mandíbulas para que abocanhe as letras. E lhe ordeno: Faça-se poema! E ele se faz numa palpitação que delira ao ver-me. Eu: múltipla, ardente, arrebatada, apaixonada pela minha criação. Então, o poema me transcende e me chama pelo indizível nome. (Ludmila)

    

    Setembro avança

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    Setembro abre sua cauda de flores e aromas e se deita no colo dos dias. E eu, sonhando já com frutos e sementes deixo que ecoe, pleno em mim, seu nome: Primavera.
    Os jasmins desabrocham perfumando corpos, e os manacás, e as tímidas violetas. A alegria chega pelo ar e coroa campos e montanhas.
    O Vale se enche de um amor antigo, enquanto o céu pasta no rio com seu rebanho de nuvens. A natureza alarga seus braços e nos envolve cheia de promessas.Quem dera fôssemos o mel da vida! (Ludmila)

      

      Versos de sal e cinzas.

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      Nem sempre me inspiram as flores e as estrelas que invadem minhas retinas e as povoam de luz e de esperança.
      Também a loucura me inspira. Essa que incendeia a rotina dos dias e esgarça a certeza das coisas.
      Nascem meus versos, então, cheios de sal e cinzas, como agora.
      Digo: Vem! Senta-te à mesa e devoremos o desencanto das horas mortas.
      Vem! Desfruta dessa tristeza que me transforma em pedra, cratera, abismo.
      Vem! Te junta a mim e vamos sangrar as veias da poesia, até que os peixes cintilem na água, como as estrelas no céu. (Ludmila)
      Arte do fotógrafo russo Stanislav Aristov

        

        Bordo, logo existo!

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        Vivo um tempo de retomada. Retorno às mesmas mãos bordadeiras que guardei junto aos retalhos de cânhamo amarelado, onde, agulha e linha fixava pontos trêmulos ensinados por dona Rodeska, professora de artes manuais. Íamos, linha a linha materializando matizes e arabescos que depois alinhavávamos num caderno de capa grossa. Ele perdeu-se junto com a minha adolescência, em alguma dobra do tempo.
        Tarefas do século passado, relembro, saudosa, mas que resgato no presente.
        Bordo. E o vai e vem contínuo da agulha penetrando o pano, me relaxa. É um mantra que pratico com as mãos. Com linhas coloridas avanço: passo a passo. Traço a traço. Bordo Maria. Ela, deixada por último sobre a mesa, entre tantos outros riscos, ficou pacientemente à minha espera, na manhã ensolarada do parque. Bendito atraso, o meu! Penso e me emociono, acrescentando mais uma flor, mais um ramo, mais um detalhe. Há de sair bela! Agradeço à inspiração da artista que a criou e sigo. Ponto a ponto.Sem pressa. Desligada de tantos problemas que nos afligem, entro em outra sintonia: a da prece. Bordar também é uma forma de oração. Ave Maria! (Ludmila)

          

          A difícil convivência dos opostos

          Noell S. Oszvald

          Estamos vivendo tempos muito complicados.
          Paira no ar um certo desconforto, uma intolerância, um baixo astral que vem opondo irmãos, amigos, conhecidos que já não se reconhecem e começam, infelizmente. a se desprezar.
          Há os que adotaram a cor verde/amarela como bandeira e há os que foram hipnotizados pela vibração do tom vermelho, e o complicador é que estamos todos lado a lado, navegando num mesmo barco que se encontra à deriva.
          O enorme Titanic no qual viajamos está prestes a ir à pique. O iceberg da corrupção cresceu tanto (e hoje vislumbramos apenas a sua ponta) que, fatalmente, afundará o navio, e então estaremos, todos, no Mar das Tormentas.
          Haverá embarcações e boias para que todos nos salvemos? Não sei, mas logo, logo saberemos. Inevitável se torna, a essa altura, evitar a tragédia anunciada.
          Os passageiros da primeira classe celebram a vida no convés, enquanto o comandante nos leva para águas cada vez mais turbulentas. E nós, viajantes do andar de baixo, somos obrigados a alimentar as chamas da caldeira, com o suor de nosso corpo e o esforço sobre humano de nossos braços já cansados de remar contra a maré. Sentimos então, uma tristeza, um desânimo, uma angústia sem tamanho. Onde estará o tão sonhado porto de chegada para que, em fim, desembarquemos?
          Que itinerário é este que não escolhemos, perguntamos exaustos e começamos a nos revoltar contra tudo e contra todos: contra o navio, o capitão, a classe executiva, o mar revolto… e nossa tristeza é substituída pelo ódio. Pela raiva. Pelo medo. Passamos então a dar espaço a todos os demônios que habitam o nosso lado negro. Vociferamos contra o comandante, amaldiçoamos seus imediatos, maldizemos os passageiros privilegiados e anelamos, do fundo de nossa alma, que este navio vá à pique! Mas, detalhe: também estamos nele! Caso o navio afunde, todos pereceremos nessa viagem.
          A única forma de sobreviver que nos resta, é olharmos para o distante horizonte e acreditarmos que a tormenta há de passar em breve. Então, nos agarramos ao leme da esperança, e oramos para que a justiça, a ética e a moral prevaleçam neste mar revolto e nos conduzam novamente à terra firme. (Ludmila)

          (Crônica para a Revista Absollut com fotografia de Noell S. Oszvald)

            

            O orvalho da alegria

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            Nestes momentos de melancolia em que a alma pede tréguas ao corpo fatigado, cala-se a boca, os olhos perdem-se na linha do horizonte e eu sorvo o silêncio, estancando em mim todo o desejo. Minhas mãos tombam inertes sobre o colo e o coração é um instrumento de argila que ecoa na gruta da carne. Por ele escorre apenas o sangue das horas. Estou inteiramente isolada em meu sepulcro que me defende da agrura indecifrável dos dias. A solidão não me espanta, antes, frutifica-se em letras vivas que brotam sonoras no solo sagrado do poema. Elas, misteriosamente, dissipam as trevas e espargem o orvalho da alegria. É preciso abandonar-se, às vezes, no meio do caminho para retornar à estrada da vida. (Ludmila com foto da Internet)

              

              Liturgia da Consagração

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              Gesto-te, sangue de meu sangue, meu poema
              e teu canto me alcança quando o meu se cala.
              É para dizer-te que eu existo.
              És a raiz de todas as palavras que me faltam.
              Eu te nomeio, apenas, para que me fecundes com o fogo de teu verbo.
              Ele que consagra a noite com o mesmo dom velado com que sangra o dia.
              Toco tuas palavras que me inspiram
              e se transformam em pão em minha boca
              e então…
              Sento-me à mesa e te comungo
              nessa liturgia da consagração
              em que o poema se faz carne e me habita.
              (Ludmila)

                

                A vertigem do poema

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                Eu te componho em mim,
                mas não no emaranhado das frases lapidares.
                Escrevo-te nas entrelinhas da noite,
                No silêncio do estio,
                No cenário dos sonhos entre tempestades.
                Construo-te na sacralidade do profano
                onde a razão não encontra serventia.
                Na turbulência dos sentidos,
                na submissão do texto,
                na rotação do transe que move o mundo
                e na tenacidade dos desencontros
                eu me ancoro e me entrego à vertigem
                de ser o avesso do poema
                que se lê, como se não fosse….
                (Ludmila)

                   

                  Linguagem da chuva e do vento

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                  Será a paz feita de silêncios? Quem a sente não consegue descrevê-la. Paz e silêncio somam-se porque são adventos da mesma natureza. No entanto, o ruído do mar também nos induz à paz. E há um silêncio mágico na linguagem do mar. Como há na linguagem do vento, e da chuva, e no canto dos pássaros. Seria o silêncio, então, uma espécie de linguagem não verbal? Uma confraria secreta onde a palavra passe se daria num alento, um respiro de quietude em meio à agitação do mundo: a turbulência do oculto nas entranhas do revelado…
                  (Ludmila em Textos Clandestinos)

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