Queridos amigos!
Finalmente meu livro sobre a memória de Jacareí está pronto, impresso e será lançado.
Foi um trabalho, pode se dizer, de uma vida inteira de pesquisas, anotações, publicações e de planos para lançá-lo na forma como agora se apresenta. Posso dizer, de alma leve: Missão Cumprida!
Devolvo à cidade que me acolheu com tanto carinho, a memória de seus habitantes e sua história pesquisada em livros que já nem existem mais.
Ficou um belo trabalho, do qual sinto muito orgulho!
O livro, fruto de um projeto contemplado pela LIC (Lei de Incentivo à Cultura de Jacareí) não será vendido, e sim distribuído entre os presentes ao lançamento, e depois às escolas, universidades e Bibliotecas Públicas da cidade e da região.
Quem puder prestigiar-me com sua presença, me deixará imensamente feliz!
Grande beijo a todos que acreditaram, apoiaram e incentivaram.
Ludmila
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Receita de escrever
Tão bom seria se houvesse receita de escrever! E não é que tem?
Vou lhes revelar a minha!
*Ter sempre à mão um lápis e um papel, porque o fermento da escrita cresce e transborda da gente a qualquer hora e em qualquer lugar, então, prevenir é sempre o melhor caminho!
*Ter a certeza absoluta de que há muitos enredos dentro da gente. Escrever é apenas abrir a porta e permitir que eles saiam: livres, selvagens, indomados. Postos para fora, aí sim, caberá a nós colocá-los em ordem sobre os trilhos da história.
*Um escritor precisa desenvolver também outros ofícios, que lhe permitirão trafegar com maior segurança pelo mundo das idéias. Por exemplo: Tem que saber ouvir o mar. O mar fala o “oceanez”, um dialeto dominado pelas gaivotas e pelas sereias. Não sei se os tubarões o compreendem, mas, os golfinhos, com certeza!
*Conversar com as violetas também ajuda. Sabiam que as violetas, assim como todas as flores miúdas são poliglotas? Meu avô conversava com elas em russo. Agnes, minha amiga de infância, em francês. Eu converso mesmo no bom português, e elas respondem com buquês cada vez mais coloridos. Aprendi com as violetas, que o cravo nunca brigou com a rosa! Isso é intriga dos humanos, e dá uma bela crônica!
*Um bom escritor precisa também, e sempre, olhar para o céu diurno e ler as histórias que as nuvens sabem contar como ninguém! Pegue a criança mais próxima a você ( pode ser, inclusive, a sua criança interna) deite-se num gramado próximo, ou na praia, ou no quintal mesmo, e deixe a nuvem guia-lo por castelos, florestas, celestes labirintos…A nuvem entra na cabeça da gente e nos deixa prontinhos para criar!
*Ah! Numa receita de bem escrever, não pode faltar nunca a magia. Magia de capturar o cheiro da terra molhada após a chuva de verão, do salto do grilo trapezista, da organização das formigas, em fila indiana, levando gravetos para construir suas muralhas subterrâneas, do raio de sol anunciando o alvorecer (ou o anoitecer, tanto faz, desde que a gente o capture com o olhar) Nossa! Quantas histórias podem ser escritas observando o céu tinto de rosa e lilás!
*E, um bom escritor precisará, urgentemente, abrir seu coração e alma para a poesia. Poemas usam metáforas, usam uma linguagem que modifica as palavras e nos permitem transgredir. Citando Rubem Alves (aqui faço uma observação: ter a companhia de escritores que nos inspiram, é um ingrediente importantíssimo nesse processo, pois são eles que, generosamente, deixam-nos entrar em suas criações e ter acesso à sua visão de mundo, o que nos fornece subsídios para criar a nossa própria receita) mas, citando Rubem Alves: “meu rio de pensamentos foi surpreendido por um peixe dourado que repentinamente saltou de dentro de suas águas e falou um poema – os poemas moram sempre no fundo das águas…” eu complementarei que, não só os poemas mas todos os escritos “moram sempre no fundo das água”!. Das águas de nosso oceano interno, tão rico, único, diverso e inexplorado.
*Então, terminando essa receita eu direi a vocês: Um bom escritor precisa, com a máxima urgência, aprender a mergulhar!
(Ludmila Saharovsky)
Mantra
Palavras dançarinas, afinadas, perfumadas,
escapam sibilinas pela fissura dos lábios
e evocam teu nome : canto de amor que reverbera
para muito além dos limites da boca.
(Ludmila)
Conto Mínimo: Melodia secreta
Em nome do Pai
De meu pai russo, além dos anticorpos que me afastam definitivamente de toda e qualquer bebida destilada (que ele consumia prazerosamente) herdei uma biblioteca dos clássicos russos, escritos no idioma original: Tolstoi, Lermontov, Dostoievski, Pushkin, Gogol, Anna Ahmatova, Marina Tsvetaieva.
Afastada da pequena colônia que ainda sobrevive em São Paulo, busco neles o exercitar da língua mãe, receosa de esquecer expressões e palavras. Tenho comigo que olvidando meu idioma natal, o sentimento de orfandade se abaterá muito mais forte, tornando-me estrangeira dentro de mim mesma, turista acidental perdida numa memória que, se não bem vigiada, irá esgarçar-se sem possibilidades de restauro. Os livros trazem-me de volta a uma dimensão de luz na qual as palavras materializam-se em vozes, em comentários tão familiares, em frases ouvidas dezenas de vezes, impregnadas de significados que preencheram minha infância: Nomes próprios, apelidos, evocações, provérbios, costumes. Só quem domina um idioma por origem, e dele é afastado, saberá do que estou falando. Mas, o pai relia incontáveis vezes Guerra e Paz, Anna Karenina, Irmãos Karamazov, e também as aventuras completas dos Três Mosqueteiros e O Homem da Máscara de Ferro de Alexandre Dumas, vertidas para o russo. Volta e meia eu o surpreendia mergulhado nessas obras que ele qualificava como sendo “de grande fôlego”, cujos personagens passaram a fazer parte integrante de seu cotidiano, habitando-o com a desenvoltura íntima de quem já faz parte da família. O interessante é que Wladi (jamais chamei o pai de pai, e sim pelo diminutivo de seu nome próprio, Wladimir) mergulhava nas histórias e emocionava-se com elas como se as lesse pela primeira vez. “Será que você avalia, perguntava-me ele, as características tão peculiares à alma russa, imersa desde a mais remota idade, em batalhas físicas e morais…uma alma coletiva empolgada e arrebatada, moldada por uma religiosidade de entrega e temor a Deus, de súplicas de redenção e arrependimento pelas falhas humanas cometidas em momentos de covardia? Veja Tolstoi, por exemplo, um homem de educação refinada, um conde, um visionário, um profeta cuja fama atravessou fronteiras, o idealizador da política da não violência, lido e citado inclusive por Gandhi. Um escritor de cuja mente saíram romances inesquecíveis! Você sabia que ele viveu por cinqüenta anos atormentado por uma relação tempestuosa com sua mulher, entremeada por ameaças de suicídio e desaparecimentos, em meio aos quais geraram dezesseis filhos e morreu ancião, na estação de Astropovo, não longe de sua casa em Iasnaia Pollina, fugindo de sua Sofia Andreievna? Quem consegue explicar tamanha loucura?” Eu ouvia as histórias do pai atentamente. Era melhor que qualquer filme, qualquer novela. Sua admiração pelos escritores russos extrapolava os limites das obras criadas. Ele devorava também suas biografias, tentando acompanhar a lógica do pensamento de cada um, sua doutrina política, as angústias existenciais, como uma forma até, eu quero crer, de desculpar as suas próprias e inúmeras fraquezas. Quando o levei para o hospital, abatido pelo cansaço de viver, ele absolutamente aceitou qualquer trégua. Naquela manhã, ao lado da mesinha de apoio do sofá da sala estava aberto o romance Ressurreição. Nele, Tolstoi procurou criar um novo homem, com maior lucidez, tentando conduzir os povos a uma harmonia utópica, a uma ética que, infelizmente, só se concretizou nas ficções. Wladi partiu há quinze anos, quem sabe em busca da realização de todas essas utopias tão peculiares à alma russa, ou, quiçá, à todas as almas sensíveis de qualquer parte desse mundo, que hoje tanto me amedronta! Que saudade, meu pai!
(Ludmila Saharovsky)