O baú de minha avó era um pedaço de sua pátria, encaixotada.
Quando as saudades apertavam, ela sentava-se no chão, abria a pesada tampa e começava a revirá-lo em busca de seu passado ali acomodado.
E eu, criança, viajava com ela por tantos objetos enrolados em papel pardo: livros, missais, fotos, cartas amarradas por fitas de veludo já carcomidas e descoradas pelo tempo e por estranhos e mágicos caminhos que se me abriam ali, ouvindo suas histórias.
Lembro-me do cheiro bom que dele se desprendia e impregnava a sala com inusitados aromas. Perfumes que me levavam a bosques frondosos, às nevascas – que a cada inverno cobriam com seu manto branco e macio as praças e suas igrejas – aos vendedores de castanhas assadas em fogareiros dispostos ao largo das ruas, às casas aconchegantes enfeitadas para as festas de final de ano. Nossa! Como era bom percorrer essas lembranças!
Quando eu completei treze anos, em Novembro, a avó retirou desse baú um caderno grosso, de capa ricamente ilustrada e disse que naquele ano ele seria meu presente de Natal. “Mas, que caderno é esse?” Eu quis saber. “No Natal você vai descobrir!”
Passou-se o tempo, e, a cada ano, no Natal eu o redescubro.
Ele é um misto de diário, agenda, coletânea de boas maneiras, e onde estão anotados, também, poemas, pensamentos e receitas.
Sua capa é revestida de linho cor de cereja e traz estampados dois arcanjos gorduchos e nus, folheando um livro de receitas.
Logo na primeira página, as dedicatórias:
“Anna: para que nunca te esqueças que a função mais nobre que há na terra é a de nutrir!
Com amor de sua avó Maria Fiodorovna” (Natal de 1860)
A segunda dedicatória:
“Para Alecsandra de sua avó Ana Barissovna” (Natal de 1911)
E a terceira dedicatória:
“Para Ludmila, de sua avó Alecsandra Dmitrivna” (Natal de 1960)
Em suas páginas eu navego por receitas de licores, compotas, xaropes.
Admiro ilustrações, feitas à mão, de mesas arrumadas com taças e talheres certos para cada ocasião. Leio anotações sobre como preparar um borsh ou uma conserva de pepinos, como retirar manchas de vinho de toalhas, ou como enfeitar a mesa para um almoço festivo. Mas, as receitas que mais me encantam são as de pães e bolos. E, desse meu livro raro, eu presenteio vocês, com uma receita de bolo de natal que eu sempre faço para os meus. Experimentem!
Batam com colher de pau numa vasilha funda, uma xícara de chá de manteiga ( agora tem margarina, se preferirem) com uma e meia xícaras de chá de açúcar mascavo, até ficar uma pasta cremosa. A esse creme acrescentem, sempre batendo, um a um, três ovos com claras e gemas. Depois duas xícaras de chá de farinha de trigo peneirada. Prossigam batendo. A essa massa acrescentem: uma colher de sopa de bicarbonato de sódio, 150 gr. de uva passa deixada previamente de molho em meio cálice de vinho do porto ou de conhaque,( que também é incorporado à massa) 150 gr. de nozes picadas grosseiramente ( no Brasil pode-se substituir por castanhas do Pará) uma maçã grande cortada em cubos, uma colher de chá de gengibre ralado, uma colher de chá de canela em pó e uma colher de chá de cravos amassados. Misturem tudo muito bem. Coloquem a massa numa forma retangular e alta, de pão, ou numa assadeira redonda com furo no meio, untada com manteiga e farinha. Deixem assar em forno pré aquecido por 30 a 35 minutos. Quando esfriar, desenformem e enfeitem com açúcar de confeiteiro, nozes, flores de Natal e outros confeitos a seu gosto. Sirvam com uma bola de sorvete de creme. E pronto!
Não há, na terra, função mais nobre que a de nutrir: de pão ou de carinho!
Feliz Natal!
(Ludmila Saharovsky, crônica publicada em 2008 na Imprensa Valeparaibana)
Não há presente melhor do que nutrir
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