O prazer de escrever

Há algum tempo atrás eu fui convidada para conversar com um grupo de alunos do curso primário , numa escola pública de Jacareí, sobre a atividade de cronista. Surpreendi-me com o pequeno auditório repleto de crianças ativas e barulhentas, como, aliás, devem ser todas elas, aguardando-me com caderno e lápis na mão.
Podem, por favor, guardar seu material. Não estou aqui para dar-lhes aula, apenas para conversar, eu logo fui dizendo. Ah! Alegria geral!
Apresentei-me: Sou Ludmila, escrevo há algum tempo e vim falar-lhes sobre o prazer que este ofício me proporciona.
E sobre o que eu escrevo? Sobre qualquer coisa que me passe pela cabeça: sobre o dia, as pessoas que conheço ou gostaria de ter conhecido, sobre a minha cidade, sobre a vida com suas alegrias,tristezas e descobertas. Essa maneira de escrever chama-se crônica, palavra que se origina de outra, grega, e que significa tempo.
Escrever crônicas, portanto, é escrever sobre o seu tempo.

“Ah, eu acho bonito escrever, mas é difícil!” ponderou uma garotinha.
“E eu acho muito chato fazer redação, não sei como é que tem gente que gosta,” replicou um menino de óculos sentado na última fileira.
Realmente eu também acho muito chato a gente fazer, por exemplo, descrição à vista de uma figura, mas, e se começarmos a brincar com as idéias? Inventar, criar e descrever fugindo completamente dos pensamentos sempre iguais que surgem em nossa cabeça?
“Como?” gritaram as crianças em uníssono.
Vamos fazer uma brincadeira com as idéias e as palavras. Vejam, eu trouxe para vocês esse lindo poster de uma jabuticabeira.
Em vez de escrever, vejo uma árvore e encerrar o assunto, porque à primeira vista todas parecem iguais com seus troncos, raízes e folhas, que tal irmos além? Que tal imaginarmos que aquela árvore é a nossa árvore, como se fosse um amigo, que ela respira, que gosta do lugar no qual vive, que sente dor, que gosta de tomar banho de chuva e receber os passarinhos e aos mil e um bichinhos que vivem em suas folhas.

“Sabe, tia, na árvore da casa da minha avó tem um balanço de corda e um pneu na ponta, que eu adoro!”
“Outro dia a professora levou a gente no Jardim “Botâmico” e eu vi um esquilo que morava na árvore.”
“Muitos esquilos, corrigiu o amigo, Muitos, pequenininhos que pulavam de galho em galho.”
“E lá em casa tem uma jabuticabeira, mais bonita que essa sua, e minha mãe faz geleia”.
“A minha mãe faz geléia de amora. Eu adoro!”
“E na árvore da minha rua caiu um baita raio que abriu a árvore em dois e o galho amassou o carro que estava em baixo!”
“Sabe tia, a gente sempre vai lá na roça de minha avó e tem uma árvore enoooooorme na beira de um lago, que a gente mergulha dela!”
A criançada embarcou na ideia, e os relatos foram surgindo. Assim, conversando e criando, o tempo passou e nem nos demos conta. Claro que eles quiseram saber tudo sobre mim também: onde eu nasci, quantos anos tinha, se minha casa era grande e com árvores, e até como era feito um jornal.
Uma pergunta, no entanto, deixou-me surpresa e perplexa. Um garotinho tímido, que durante todo o tempo ficou me perscrutando sem nada dizer, finalmente criou coragem e levantou o braço: “Tia, e se a árvore imaginar coisas sobre a gente, como é que eu fico sabendo”?
Crianças,crianças… Tive vontade de carregá-las todas para minha casa, só para pensar e aprender com suas perguntas, algumas, como esta, difíceis de responder!
(Ludmila Saharovsky)
Crônica publicada no Jornal Valeparaibano

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