Delírio – Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa (1908-1967)

No parque morno, um perfumista oculto
ordenha heliotrópios…
Deixa aberta a janela…

Minhas mãos sabem de cor o teu corpo,
e a alcova é morna…
Apaguemos a luz…

Não sentes na tua boca
um gosto de papoulas?…

Passa o lenço de seda de tuas mãos
sobre minha fronte,
e não me digas nada:
a febre está, baixinho, ao meu ouvido,
falando de ti…

    

    Sempre palavra

    I

    Busco o poema
    Lá onde o mar transborda
    E o céu assoma
    Ostentando já a lua
    Refletida.
    No olho da gaivota
    O sol se deita
    E a palavra nasce
    Do silêncio
    Assim…
    Quase perfeita
    Envolta pela areia
    E pela espuma

    II

    Busco o poema
    Ou ele é quem me espreita
    Em meio à areia brilhante
    Liquefeita
    Como se fosse um verbo
    A imantar-se
    A transformar-se
    Em som, palavra, grito
    Vindo da sombra
    Para o atrito
    Em seu rumor eterno

    (Ludmila Saharovsky)

      

      Herberto Helder

      Quero um erro de gramática que refaça
      na metade luminosa o poema do mundo,
      e que Deus mantenha oculto na metade nocturna
      o erro do erro:
      alta voltagem do ouro,
      bafo no rosto.

      Herberto Helder
      Ofício Cantante – Poesia Completa
      Assírio & Alvim, 2009

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