Hoje, 2 de fevereiro, comemora-se em todo o Brasil o Dia de Iemanjá, a Rainha do Mar. Em Rio Grande,a festa em sua homenagem entra pela noite adentro e reúne milhares de pessoas que deixam suas oferendas junto ao seu monumento na Praia do Cassino.
Iemanjá, a mãe poderosa
Trazida ao Brasil pelos povos de origem ioruba, desde que assumiu o reino das águas salgadas começou a ser cultuada pelos pescadores como sua padroeira. Ao mesmo tempo, quanto mais o seu papel de mãe se fortaleceu, maior foi a aproximação com a mãe dos católicos, Nossa Senhora, com a qual é sincretizada.
Iemanjá está associada aos rios e suas desembocaduras, à fertilidade das mulheres, à maternidade e principalmente ao processo de criação do mundo e da continuidade da vida. Seu culto original a associa ao plantio e colheita dos inhames e coleta dos peixes, donde seu nome Yemojá (Yeye Omo Ejá), Mãe dos filhos peixes, divindade regente da pesca.
No Brasil, conforme historiadores, o culto as divindades-mães teria chegado aqui por intermédio de Iemanjá. Outros orixás-mães são aqui cultuados com ela, como: Oxum e Nanã Burucu. Iemanjá, Oxum e Nanã aqui tiveram uma profunda inter-relação mítica com as sereias do paganismo europeu, com as diferentes denominações de Nossa Senhora e com as iaras ameríndias, as mães-d’água, chamada de Iara. O culto hidrolátrico das divindades africanas em solo brasileiro prescindiu de modificações substanciais já que, distanciando da terra-mãe, perderia seu significado caso não encontrasse um terreno favorável à sua constituição.
O culto de Iemanjá realizado à beira do rio Ogum em Abeocutá na África, transferiu-se no Brasil para o mar. No continente de origem, o mar era o reino mítico de Olocum, literalmente o Dono ou a Dona do Mar, divindade considerada pai ou mãe de Iemanjá. Os orixás que na África estavam associados a um acidente geográfico específico, especialmente aos rios, perderam no Brasil tal associação e tiveram o culto generalizado, Iemanjá perdeu o rio Ogum e ganhou o mar. A nova geografia reorganizou o panteão; a nova cultura rearranjou os patronatos.
Quanto mais o papel de Iemanjá como mãe se fortaleceu, mais foi se aproximando da mãe dos católicos, Nossa Senhora, com a qual é sincretizada nas diversas regiões do Brasil. Tanto é assim que suas festas mais importantes são comemoradas de acordo com o calendário católico. O culto sincrético de Iemanjá ocorre principalmente em datas festivas das Nossas Senhoras católicas mais populares em cada região, aquelas que têm nas diversas cidades o maior número de devotos, como Nossa Senhora das Candeias em Salvador, Nossa Senhora do Carmo em Recife, Nossa Senhora da Conceição em São Paulo.
Outras formas de contato com a Rainha do Mar, a julgar pela crescente presença da população nas festas celebradas nas praias brasileiras – se não for fé, pelo menos pela emoção da participação coletiva – tornam possível declarar Iemanjá como o orixá mais popular do Brasil, visto pelo povo do candomblé, pelo povo da umbanda ou ainda pela sociedade como um todo.
texto de Armando Vallado
doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo e autor do livro Iemanjá a grande mãe africana do Brasil, ed. Pallas, 2002.