Lar,




(nossa casa, começando a tomar jeito, em Rio Grande, com a vista para o jardim. Na parede, tela da joseense Cidinha Ferigoli)

Lar,
O que é um lar?
Penso que seja o espaço onde nossa alma se aquieta e o coração fica naquele estado de ruminar felicidade.
Dizem os gurus, que nosso lar fica dentro de nós. Sim e não.
Creio que, habitantes do mundo, precisamos de um lugar físico adequado, para conseguirmos entrar nesse outro, o de dentro. Para alguns, ele pode ser um jardim, uma praia mais escondida, uma varanda em meio às samambaias, o topo de uma colina, o silêncio de uma capela, um gramado sob as estrelas, o sofá aliciador, sob a luz difusa de um abajur, a mesa reconfortante da cozinha arrumada. Sabe-se lá dos anseios de cada alma!
A minha, necessita da paz e da quietude para se expandir, para desabrochar, mas, precisa, também, de conforto para o corpo.
Como é bom, deveres cotidianos cumpridos, poder sentar-se para ver o sol se por, tingindo de tons avermelhados a linha do horizonte! Que felicidade, acordar de madrugada e, em meio ao silêncio, presenciar o dia se insinuando, com a Vênus, gigante, iluminando com seu archote o céu de fevereiro, aqui no sul do país. É nesses momentos que acontece a magia, e a gente passa a pertencer a dois mundos: o de lá e o de cá. O de cá, contabilizamos com os cinco sentidos, enquanto o de lá, o infinitamente interno, nos inspira, relaxa, alimenta e permite que viajemos pela memória própria e também, com um pouco de sorte, pela coletiva…
E porque precisamos de um lar físico aconchegante e equilibrado?
Para nossa alma querer voltar!
Corremos sempre o risco de que ela perceba que o lado de lá é bem mais interessante!
E aí é que entram nossos laços. Laço é o que prende, o que ata, o que vincula, o que se ancora no coração. Nele, que insiste sempre em ficar no aqui e agora.
É no coração que nosso lar externo se edifica. É no coração que permanecem esperanças, afetos, apegos, alegrias, dores, necessidades materiais e emocionais. É ele que bate forte frente às nossas vicissitudes, tropeços, atropelos e se derrete às lágrimas pelas pequenas vitórias do dia a dia, pelos filhos, netos, amigos, companheiros de jornada.
Um lar, portanto, é mais do que o espaço físico.
Lar é uma tessitura. Lar é um bordado marcando em pontos, às vezes regulares, outras, irregulares, a tela na qual se desenhou, único, nosso destino.
Nossa alma, pipa empinada pelas Moiras à favor do vento, vai e volta. Vai e sempre volta, enquanto não se rompe o fio. Já o coração…(Ludmila Saharovsky, crônica publicada no caderno Vale Viver do jornal O Vale em 19/02/2011)

      

    Aparador de Quimera de Zenilda Lua


    Recebi, por intermédio de minha amiga, a escritora Dyrce Araújo, o livro de poemas Aparador de Quimera, de Zenilda Lua, recém lançado em São José dos Campos. Veio com um autógrafo carinhoso e uma aura de alfazemas!
    Conheço Zenilda, por enquanto, apenas de referências, todas muito elogiosas ao seu talento e delicadeza. Espero, em breve, agradecer-lhe pessoalmente pela brisa fresca que se desprendeu de seus versos e tocou minha alma, de levezinho, feito cortina de filó ao vento da manhã. Deixo para vocês, agora, essa sua
    Amostra
    “Numa hora dessas,
    entre o violino e a hera,
    vou mobiliar teu corpo (de novo)
    Com meus beijos pagãos de primavera…”

    Bom demais, Zenilda! (Ludmila)

       

      Verão…verão!




      (desertos da Tunísia)

      Estamos em pleno verão e o calor prossegue materializando cheiros e suores ardentes e me embriagando de luz. Essa quentura palpável que gruda na pele, que se corporifica numa espera pesada, sem vento, sem clemência, sem frescor. Essa estação repleta de pastos queimados de sol e de palavras morrendo de sede dentro da boca. Uma incandescência sem brisas nem concessões à uma sombra amiga, qualquer que seja. Uma febre que me transporta ao deserto de mim mesma, a uma sonolência improdutiva, a essa dificuldade que as coisas paradas sempre provocam em nós. Uma inércia que se repete e me traz à lembrança outros tempos, onde, em meio aos pátios despidos da escola alemã de minha juventude, eu senti pela primeira vez esse entorpecimento. Era uma paisagem sem qualquer planta que a colorisse, com nenhuma sombra, nenhuma alma amiga para trocar confidências, ouvir e ser ouvida. Nela eu permanecia assim, letárgica, esperando passar mais um dia, e outro, e mais outro. Aquelas paredes caiadas de um cinza desbotado lembravam-me de meu próprio desalento e da dificuldade em aprender um idioma complexo que os pais obrigavam-me a estudar, deixando-me entregue à voragem daqueles dias de verão que transformavam palavras em letras ardentes ante meus olhos e os enchiam de lágrimas e de preguiça.
      Olho pela janela e pressinto camelos levantando o pó sobre a areia escaldante das dunas que se multiplicam e multiplicam numa paisagem minimalista sem qualquer promessa de um oásis. Quem sou eu, me pergunto, envolta neste sudário de linho cru, caminhando em silêncio pelas ondulações arenosas sob meus pés cansados que carregam um fardo de carne e ossos? E para onde vou? Existirá um bosque refrescante além desta vidraça?
      Dor? Nenhuma… Apenas a indiferença colorida por tons secos e um sol que às vezes é, simplesmente, um caleidoscópio multiplicando irradiações de tédio e sonolência . Assim como eu, a tarde indolente também se arrasta, cumprindo um itinerário de espera. Aguardamos, ambas, que a noite caia e nos resgate, e nos redima, e nos refresque, e nos envolva no estado de graça que traz em si. Ah…essa leveza, essa bem aventurança de céu que finalmente reflete a luz fria da lua! Um céu repleto de estrelas e constelações…Ele abre-se sobre nós e brilha e nos conduz à quietude e ao silêncio, aos sonho e anelos. Esse céu que nos absolve das angústias e nos permite descansar…
      Aguardo a noite ansiosa, porque ela me permite a fuga, ainda que momentânea, de compromissos e rotinas, de desertos e caravanas, de dunas e camelos. À noite dispo-me de mim. Desfaço-me do peso de meu corpo, de suas tantas sinas e permito-me sonhar com oásis e lagos repletos de água cristalina. Com garças alvas e peixes azuis. E tâmaras e figos frescos. E riachos e cascatas. E o vento trazendo enfim a chuva benfazeja. À noite impregnada de tantos mistérios, escura e veludosa, eu peço que me acalente e me embale. E, contrariando os instintos primitivos que nos levam a hibernar no inverno, quero adormecer agora, neste interminável verão…e despertar apenas quando se fizer, de fato e de novo, a primavera.
      (Ludmila Saharovsky, para o jornal Valeparaibano)

        

        Romance de verão


        (Botero, Na praia)
        Eu os conheci em minha última viagem. Eram assim, um tanto estranhos…Diferentes, com certeza!
        Mais baixo que o normal, o homem vestia-se sempre com refinado bom gosto. Mas, o que o distinguia dos demais era sua acompanhante: Alta, loira, a pele de uma brancura quase artificial. Os peitos fartos querendo saltar do decote pronunciado, ela o acompanhava onde quer que fosse: à piscina, à discoteca, cinema, restaurante…
        A tripulação tratava-os com explícita cortesia. Resultado de gorjetas? Quem sabe… Já os demais passageiros daquele navio que cruzava o Atlântico, mantinham calculada distância.
        Aproximei-me deles no convés. Posso sentar-me à sua mesa? As outras estão com todos os acentos tomados! Mas é claro…acomode-se! Será um prazer!
        Falamos do tempo, de economia, política. Ele contou-me que estava, após muitos anos, permitindo-se tirar aquelas férias. Era executivo de uma indústria de cosméticos, onde conheceu sua mulher. Suzana, apresentou-me. Eu a cumprimentei discretamente. Ela apenas inclinou, ligeiramente, a cabeça…ou teria sido o vento?
        A cerveja gelada, repetida em várias doses, logo deixou-nos íntimos. Íntimos a ponto de trocarmos confidências. Falamos da solidão, da incompreensão humana, de preconceitos. Descobrimos vários pontos em comum: torcíamos pelo mesmo time, gostávamos de filmes de ação, de teatro de comédia, de jogar xadrez… Tínhamos predileção por mulheres loiras e mais caladas, como Suzana.
        E, falando em mulheres, viaja sozinho? Perguntou-me. Sim, respondi. Estou me afastando um pouco de minha rotina, para esquecer um amor que não deu certo! Ah…você supera, supera…Eu tirei a sorte grande! Estou com Suzana há dez anos. Jamais brigamos. É a companheira que pedi a Deus! Suzana, sorriso enigmático, aquiesceu em silêncio. Aos poucos fui me acostumando com o casal, embora somente o homem falasse. A tarde desceu sobre o convés. Logo se fez noite. Jantamos juntos? Com prazer, respondi. Dê-me apenas uma meia hora, para um banho. Combinamos encontrar-nos no restaurante.
        Desci ao salão de refeições lotado. A orquestra tocava um bolero. Muitos casais ocupavam a pista de dança. Nela, meus novos amigos sobressaíam… Bernard enlaçava apaixonadamente Suzana pela cintura, o rosto afundado em seu colo. Alheios aos insistentes olhares das pessoas, eles entregavam-se completamente ao clima de romance que a música propiciava. Por um breve momento invejei-os. Suzana, num vestido de cetim grená ajustado ao corpo, com sua longa e sedosa cabeleira loira parecia flutuar.
        Assim que me viram, acenaram-me indicando a mesa reservada. Sentei-me e por um breve momento permaneci abstraído. Aquela noite quente, o navio balançando lentamente… A melodia me embalava e o coração ansiava por um novo romance. Mal percebi quando se aproximaram. Sabe, confidenciou-me Bernard, Suzana viaja com sua irmã…São inseparáveis, mas, Cristia é muito tímida. Nós lhe falamos de você… Gostaria de conhecê-la? Quem sabe assim a convencemos a sair do camarote! Completamente inebriado pela surpresa e pelo clima da noite, concordei. Aguarde um momento. Vou buscá-la. Chamei o garçom. Pedi-lhe que trouxesse uma garrafa do melhor champanhe. A noite merecia uma celebração. Solicitei mais um lugar à mesa. Mais uma taça. Servi Suzana. À saúde de sua irmã, brindamos! Espero que ela seja linda como você! Ela sorriu-me, cúmplice.
        Em alguns minutos Bernard voltava com a mulher que eu iria conhecer: Lindíssima, o vestido verde como seus olhos. O mesmo sorriso sedutor. A mesma pele de porcelana. Os mesmos longos, sedosos, loiros cabelos esvoaçando ao vento. A mesma etiqueta, discreta, presa à cintura: Made in China.
        Dançamos a noite inteira, indiferentes aos olhares grudados em nós… Dormi, o rosto enterrado em seu corpo inflável. Dormi, e sonhei que enfim era feliz!
        (Ludmila Saharovsky para o Jornal Valeparaibano)

          

          Amigas curam!


          Hoje passamos a tarde eu, Dyrce Araújo, Rita Elisa Seda e Sônia Gabriel aqui em casa, tomando chá e colocando a vida em dia.
          Rita presenteou-me com o livro que escreveu em parceria com Sônia, sobre a vida e a obra de Eugênia Sereno, (autora de O pássaro da escuridão) intitulado “A Menina dos Vagalumes”, recem lançado aqui no Vale do Paraíba. Um livro primoroso no visual e no conteúdo. Você o abre e logo uma estrelinha pula em seu colo…delicadeza materializada!
          Herculano Pires assim se refere à obra de Eugênia Sereno: “o que interessa ressaltar em O Pássaro de Escuridão é a capacidade de recriação de ambientes vivos, que faz de Eugênia Sereno uma romancista de poder criador à altura de Guimarães Rosa.”
          Todos os capítulos são prefaciados, e muitos contem enxertos das obras de escritores e poetas aqui do nosso Vale do Paraíba, uma linda homenagem que as autoras prestaram a todos nós! Obrigada!
          Há algum tempo, recebi um e-mail intitulado: Amigas curam. Hoje, ladeada por essas mulheres talentosas, carinhosas, cheias de energia criativa e de planos, pude vivenciar a verdade que essa afirmação contem. Depois de um dia muito complicado, revê-las e partilhar de sua companhia foi um bálsamo para meu corpo e alma. Obrigada, queridas, por uma tarde tão especial. beijos!
          (Ludmila Saharovsky)

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