Comer uma deliciosa caldeirada de frutos do mar no Restaurante River’s, em Santa Branca, tendo por cenário o nosso Rio Paraíba e, ao lado, a ponte metálica construída em 1902 pelo engenheiro e escritor Euclides da Cunha (infelizmente, um patrimônio arquitetônico completamente abandonado!) é um programa e tanto para um domingo ensolarado! O verde se espalha pelos arredores, o rio Paraíba nos acalma os sentidos e nos alicia a um bate papo que pode prolongar-se pela tarde afora, enquanto o paladar é contemplado com a degustação de um cardápio onde o peixe é a estrela principal. Para quem não conhece, fica a sugestão…(Ludmila)
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Poemas não verbais
E viva o verão!
(Mulher com Laranjas – Botero)
Passo e repasso defronte a vitrine de guloseimas das doceiras e me abstraio, fazendo os mais variados exercícios mentais, só para não entrar e devorar aquelas delícias de dar água na boca!As padarias, então, são outro tormento em minha vida, com aquele delicioso cheiro de pão quentinho saindo à tarde, que eu comeria às dúzias! E as pizzarias? Hum… Minha boca transborda de saliva! Não! Mil vezes não! Decididamente não vou lanchar! Ah! Mas e o suco de açaí… só uma tigelinha, que mal haveria? E um inocente milk shake diet de chocolate? Tomo uma resolução drástica: Preciso fechar a boca no verão, essa estação que nos despe a todos, sem qualquer cerimônia, mostrando os estragos incalculáveis provocados pela gula! De repente, meu olhar é atraído pelo espelho da loja de biquinis. Levo um susto! Quem é aquela que me observa? EUUUUU? Não é possível! Aquela criatura não sou eu! O ângulo é que me refletiu maior, com certeza! Arrisco outra espiada. Bom… para que me enganar? Engordei! Que pesadelo! Juro, pois, emagrecer ali mesmo! Afinal, tenho ou não força de vontade? Sou uma mulher de palavra, penso, enquanto devoro rapidamente a lasanha daquela Cantina aliciadora e mergulho no inferno da culpa. Mas porque me rendi à tentação? Agora, a consciência pesa mais do que o estômago. Decidida, entro no carro e vou direto a um Spa! Vou me internar hoje mesmo!
Sou recebida por uma criatura esguia, linda! Tiro a roupa para avaliação e quase morro de vergonha! “Ah, sua balança está errada! Não é possível que passei dos setenta!… Não está? Foi aferida pelo Inmetro? Entendo…”e peço logo um tratamento de choque: Passarei o final de semana com dieta de 600 calorias e me submetendo a todos os tratamentos emagrecedores. “Temos aqui os aparelhos mais modernos do mercado…” Concordo sem argumentar! “Podemos começar agora mesmo, o que me diz?”
O que se passa comigo a seguir, faz com que eu amaldiçoe todas as lasanhas e cozinheiras! Lambuzado de cremes, meu corpo é plugado a umas plaquetas que fazem com que eu trema da cabeça aos pés! O couro cabeludo trepida, as nádegas balançam… Uma rumba! Sinto-me dançando uma rumba… Mas, se é para emagrecer, vamos que vamos! Penso no vestido decotado que me aguarda, naquela loja maravilhosa enquanto os minutos vão passando, se arrastando… Esqueceram de mim? Olho para cima tentando concentrar-me na lâmpada do teto quando, estridente, soa o alarme. Quase caio da cama! A moça abre a porta e se aproxima com sorriso encantador; “Então, relaxou?” Balbucio algo inaudível enquanto passo por nova seção de lambuzamento e, coberta por várias mantas de lã, sou encaminhada para uma torradeira gigante. “Para onde vamos?” “Para o forno, queimar um pouco dessa celulite!” Uma tampa gigante desce sobre mim, só a cabeça de fora, e o aquecimento se inicia. Suo até não poder mais! Grossas gotas de água descem por todo meu corpo. Qualquer hora transbordo, alago tudo…Será que a gordura sai junto? Gente, sinto-me igual aquele frango, rodando no espeto do forno…Mais um pouco e perco a pele! Socorro! Ah…o alarme! Soa o alarme e a moça linda e esguia me diz: “Agora vamos para a massagem.” “Deus existe,” penso! Preparo-me para uma reconfortante seção, quando a bela vira fera e me ataca com fúria incontida. Sova minha barriga como se fosse massa de pão! Joga-me para a direita, para a esquerda, batuca minhas costelas, belisca as coxas, bate e rebate. É a tal da massoterapia… já ouviram falar? Pois então… Saio da seção sentindo-me protagonista da malhação de Judas e nem passei pelas alegrias do carnaval! “Quer aproveitar e depilar-se?” Faço o sinal da cruz! “Hoje não, moça! Quero recuperar-me.” Vôo ao restaurante anexo: sobre a mesa aguardam-me duas folhas de alface, três rodelinhas de cenoura, dois cabelinhos de beterraba arrematando uma azeitona e uma fatia transparente de algo que não reconheço: minha substanciosa refeição de final de dia”.Tem suco?” “Claro… temos água geladinha… Pode tomar à vontade!”Meu olhos cobrem-se pelas pálpebras pesadas. Sinto uma incontrolável vontade de chorar! “È assim mesmo no primeiro dia… garante o simpático garçom. Dá uma moleza gostosa! Mas anime-se! Amanhã o dia começará as seis e meia com uma caminhada ali por aquele monte, depois uma corrida de bicicletas, depois mais massagens relaxantes, e no almoço, adivinhe! Teremos supremo de chuchu”! O pânico me domina. Saio em disparada para meu quarto, apanho a mala que ainda nem abri e corro para a recepção. “Vim fechar minha conta!” “Mas acabou de chegar!” Pois então… uma emergência. Ligaram-me de casa… uma terrível emergência! Infelizmente preciso regressar!” Saio em disparada para o estacionamento. Ligo o carro e só relaxo no meio da estrada que me leva de volta ao doce lar! Se este é o preço a ser pago para vestir o biquininho, mostrar a barriguinha em transparências, colocar aquele collant sedutor, virarei monja! Sem choques nem sovas… os pêlos contabilizados… Irei à praia à noite, de robe longo, ocultando um maiô dos anos trinta… Aquele de saínha… Meus pneuzinhos, simpáticos, fofinhos, acomodarei num modelador. Assunto encerrado. Viva o Garfield que adora comer lasanhas. É meu novo ídolo! Aleluia gordinhas, aleluia! Acabo de entrar para o time! E viva o verão!
(Ludmila Saharovsky, para a Revista Estilo)
Praia da Cocanha, Caraguatatuba
A caminho de Caraguatatuba, Fazenda da Comadre
Aproveitando o primeiro domingo de sol depois de dois meses de muita chuva, domingo descemos a serra para o nosso litoral norte. A praia da Cocanha, em Caraguatatuba, foi nosso destino, depois da parada obrigatória na Fazenda da Comadre para almoço. O dia foi mais que perfeito, com passeio no banana sky, muito açaí, bolinhos de bacalhau e mariscada. (Ludmila)
Nau
Carne Viva
Percorro-te as costas
E não encontro asas
Mas, minhas mãos noturnas
Esbarram na espada
Flamejante e rara
Que trazes contigo
E, destemido, cravas
Em minha carne viva.
Então…
Sou eu quem vôo,
O corpo soerguido,
Num planar ardente
Sobre os teus sentidos.
(Ludmila Saharovsky, no livro Cronistas, contistas e Poetas contemporâneos, Editora Scortecci)
Linha d’água
Memória tátil
Dobras do tempo
(Naufrágio do Minotauro óleo sobre tela de Joseph Mallord William Turner(23 de Abr 1775 – Dez 1851)
Aquele som…Era a quarta ária, que ela considerava a mais solene e triste da “Paixão de Nosso Senhor segundo São João” de Bach. Chovia. Talvez fosse melhor trocar o CD, cujos acordes densos contribuíam para materializar tantas lembranças e saudades naquela sala… Mas não! O cenário era perfeito para a peça que tocava e, pela primeira vez em longos anos, ela deu-se conta de como o tempo passou. Olhando para o antigo quadro que reproduzia um naufrágio à sua frente, sentiu-se agarrada também aos escombros daquele navio, perdido num mar de sargaços… A questão, agora, era saber se sua vida valera a pena, pensava, o coração inquieto como nunca… Pôs-se então a avaliar minuciosamente a trajetória que a trouxera até ali, tentando descobrir algum segredo, algum vinco que ficara na memória, retendo informações ocultas e preciosas que necessitava trazer à tona para se aquietar, para se fortalecer. A chuva forte, com relâmpagos iluminando o céu precocemente escurecido às quatro da tarde abatia-se sobre sua alma, envergando-lhe o corpo, repentinamente transformado em frágil pinheiro, balançando indefeso ao sabor do vento. “Hoje você não irá ao colégio” ouviu a voz familiar do avô ecoando de uma dobra do tempo.” Chove muito…não vale a pena sair e molhar-se tanto!” Na sala aconchegante pairava, como de costume, o delicado aroma do chá de maçãs e geléia de morangos… a chaleira gorjeando sob o fogo brando. Ela trocou rapidamente o uniforme, calçou os chinelos de feltro xadrez e correu feliz à janela para espiar os riachos de água que transbordavam das valetas cor de terra, na rua de chão batido do bairro em que viviam. Chovia fora e dentro de casa. Incontida, a água adentrava pelos cômodos vinda da calçada, e também pelas goteiras aparadas por baldes e bacias, que ecoavam pelos cantos em sonoros plinplons compondo uma sinfonia minimalista. A avó esbravejava como de costume: contra o dilúvio, contra a lama que teria que lavar do exíguo terraço, contra as árvores que com as folhas miúdas entupiam as calhas, contra o velho telhado esburacado… Já a menina e o avô adoravam tempestades! Quanto mais fortes, melhor! Era quando ambos, cúmplices, perscrutavam o céu iluminado por relâmpagos e viajavam: Ora conseguiam vislumbrar gigantescas catedrais de arquitetura gótica, em cujas torres cinzentas recortavam-se os perfis dos gárgulas que as guardavam, ora enxergavam o próprio Demiurgo, conduzindo sua carruagem e encobrindo o céu com seu violáceo manto…. O quadro do naufrágio documentava um céu assim: a tempestade em meio ao oceano e alguns sobreviventes agarrados a um tosco mastro no mar escuro. Sempre que chovia, como agora, seu olhar aflito pousava naqueles viajantes… Até quando resistiriam? Não se aflija… O avô a acalmava: Um outro navio está a caminho e os recolherá… Serão todos salvos! Ela acreditava e se aquietava. O som prosseguia espalhando Bach por aquela sala. A chuva ficara mais amena e ela, hipnotizada pelas notas, pela pintura que a acompanhara pela vida afora e também pelas lembranças, agarrava-se fortemente aos escombros de seu próprio mastro à deriva. Foi quando, da dobra do tempo, a voz firme do avô a trouxe de volta ao presente. “Olhe para o horizonte, a tempestade se acalma….E lá está o navio que se aproxima… Então, feito um milagre, o céu tinto de nuvens, se abriu…….(Ludmila Saharovsky para o Jornal Valeparaibano)