Nestes momentos de melancolia em que a alma pede tréguas ao corpo fatigado, a boca se cala, os olhos perdem-se na linha do horizonte e eu sorvo o silêncio, estancando em mim todo o desejo. Minhas mãos tombam inertes sobre o colo e o coração é um instrumento de argila que ecoa na gruta da carne. Por ele escorre apenas o sangue das horas. Estou inteiramente isolada em meu sepulcro que me defende da agrura indecifrável dos dias. A solidão não me espanta, antes, frutifica-se em letras vivas que brotam sonoras no solo sagrado do poema. Elas, misteriosamente dissipam as trevas e espargem o orvalho da alegria. É preciso abandonar-se, às vezes, no meio do caminho, para retomar a estrada da vida…
(Ludmila com imagem Internet)
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Filigranas
Hoje me choquei contra a realidade do céu azul
e a palavra que queria dizer-te, espatifou-se em minha boca:
Virou suspiro, virou soluço, virou saliva, virou susto!
De repente, o eixo de marfim que me mantinha centrada neste mundo, equilibrada, equidistante, tornou-se uma espiral de sonhos a atravessar-me, a dividir-me ao meio: Metade mulher, metade filigrana ornando um camafeu onde vejo a estampa de meu próprio rosto.
Sou fêmea na aurora, preenchida por seixos e presságios, deusas e demônios, pardais, andorinhas, adágios de violoncelos e flautas.
Consegues perceber a metamorfose?
Será que mesmo assim, poderás identificar-me?
Sentir meu cheiro e gosto?
Perceber esse alarido de pássaros que me atravessa a alma
e se desprende de mim, feito choro de violoncelo e cuíca em contraponto?
Ah! meu coração está repleto de candeias acesas, tochas, archotes, velas aguardando um rito nobre que o ressuscite, que o redima.
Estou assim, indefesa no universo: a vida escorrendo em mim, feito areia na ampulheta. Escorrendo, escorrendo, mais um grão…mais um,
enquanto vou me consumindo nessa miragem, abismada em profundezas infinitas.
Ilusões, ruídos de tambores distantes enviando mensagens cifradas:
Para que? Para quem? Para mim? Para este outro que em mim se esconde?
Mas afinal, de quem é este destino que se tece assim, meio que à revelia, entre as cordilheiras?
Ludmila Saharovsky com arte de Jareck Kubicki