Na minha infância na Aldeia de Carapicuiba, qualquer coisa que se movesse virava distração. Virava brinquedo vivo. Os alevinos do riachinho apanhados na palma das mãos e criados em potes de vidro, eram devolvidos ao seu habitat após algumas semanas ou meses, quando outros eram capturados e a brincadeira prosseguia. Ganhava quem os mantivesse maior tempo vivos.
As joaninhas faceiras (só valiam as de roupa vermelha) eram capturadas no jardim e plantadas em casa em vasinhos de jasmins e onze horas que cresciam viçosas em latas de Cera Parquetina, Óleo Corcovado abertas na horizontal, Gordura de Coco Carioca ou ainda alguma rara e cobiçada lata de Toddy, saúde e energia, que só os vizinhos mais abastados conseguiam comprar.
As formigas seguidas por horas pelas trilhas do quintal e ampliadas pelas lentes de aumento do avô, constituíram as minhas primeiras experiências com microscópio, desvendando seus corpos articulados e ferrões que às vezes me feriam.
Até as dálias plantadas nos canteiros se moviam. Eu as retirava periodicamente da terra fofa para observar a alongamento de raízes e as minhocas nervosas se contorcendo sob a luz do sol.
Os besouros unicórnios eram uma distração à parte. Capturados ao entardecer eram transformados em insetos de carga quando recebiam as caixinhas vazias de fósforos atadas com linhas finas de costura às reentrâncias de seus corpos alados. A brincadeira durava até que eles, cansados, abrissem suas pequenas asas e escapassem do trabalho escravo.
As galinhas poedeiras, presentes em todos os quintais nos encantavam com as descobertas de anatomia. Como por milagre, os ovos galados criavam os embriões, que podiam ser admirados contra a luz do sol, e, semanas depois surgiam os pintinhos, alegria de toda a criançada.
Ah! E havia também os cães e gatos. Nunca se via os bichos abandonados pelas ruas, esqueléticos, feridos e famintos. Logo eram adotados e se transformavam em membros da família. Pulguentos, alguns, é certo, mas felizes da mesma forma. As cadelas prenhas tinham os filhotes adotados já durante a gravidez e distribuídos pela vizinhança após o desmame. Raros os de raça pura. A maioria mais querida eram todos vira latas que corriam atrás dos gatos pela vila afora. Pela vida afora.
Assim cresci, numa pobreza franciscana de imigrantes recém chegados ao Brasil, mas minha infância foi um território riquíssimo de alegria e divertimento. E assim foi esse tempo retido na memória. (Ludmila)
Em Cem crônicas escolhidas e alguns contos clandestinos a ser lançado em breve.
Foto Internet
Vaso de lata, flor de jasmin
Responder