Sonhei. Era uma casa embrionária. E era nossa.
Nela, não divisei sala nem quartos, mas pressenti conversas longas no sofá frente à janela,
que dava vistas à hortênsias e ciprestes que alguém, antes de nós, tivera o capricho de plantar.
Inexistia, ainda, o cotidiano pó sobre o verniz dos móveis não adquiridos,
nem marcas digitais pousadas em translúcidas vidraças,
nas porcelanas claras, na fragilidade tênue dos cristais.
Tampouco a lenha para alimentar o fogo fora recolhida.
Mas, no futuro, à noite, eu vi a ampla porta de madeira fechar o mundo
e os sons lá fora, enquanto o silêncio das coisas, tantas,
reverberava dentro de nós.
E eu não tentava transpor os limites que você instalara.
Antes, eu respeitava seu campo, espaço e corpo.
E instituía uma certa magia, um mistério que ficava pairando
acima das relações humanas, que não se desintegrava na intimidade,
no dia a dia, nas rotinas sufocantes, nesta mecânica corrosiva do vir a ser.
Não. O destino não nos alcançava com seu dedo sempre em riste,
indicando itinerários como já fez e continua fazendo, com tantos outros.
Por isso a casa continuava sempre inconclusa.
Se concluída, certamente, tornar-nos-íamos íntimos demais de sua posse,
e o encantamento poderia se perder.
Assim, a cada noite, agora, exercito-me em ouvir o degrau rangendo,
precedendo seus passos que adivinho, enquanto trato de demarcar,
na memória, a sólida fronteira:
A realidade da casa: posse do mundo
O seu anelo: posse minha e sua!
Ludmila
fotografia de Jerry Uelsmann