Terminava novembro de muitas chuvas e uma lua quase cheia, protegida por biombos de nuvens, brincava de esconde-esconde pelo céu.
Na entrada da distante vila, perdida no topo das montanhas, uma estreita picada aberta em meio à alta vegetação separava as toscas casas de madeira do secular muro revestido por um musgo azulado. Ele unia as largas pedras formando um inusitado mosaico em alto relevo, repleto de sombra e luz, que se intercalavam em seu próprio e descontínuo ritmo. Em toda sua extensão, centenas de cruzes feitas de madeira e unidas por um tríplice nó de capim seco brotavam da terra, indicando que aquele era exatamente o caminho a seguir. E uma pequena vala, impermeabilizada por grossa camada de limo e sempre preenchida pela água de uma tímida nascente subterrânea delimitava o cercado, emprestando-lhe, naquela noite, um brilho particular. Eu mal distinguia o som de minhas próprias passadas, abafado pelo latir dos cães e pelo farfalhar do vento. Precisava encontrar logo as largas colunas de madeira, entalhada de símbolos, que sustentavam o pesado portão, e adentrar naquele espaço há tempo perseguido. “Venha no mês de seu aniversário, foi-me dito, e assim fiz.
Por instantes pensei em retornar pelo mesmo caminho, pois que a calma reinante, em algum espaço interno de mim mesma, prenunciava o medo. Mas, após a exaustiva caminhada, medo maior seria não chegar. Medo, não! Pavor! Quem me contara acerca daquela antiga residência e de sua misteriosa ocupante? A história, envolta em mitos, perpetuava-se oralmente em minha família e me impelira a arriscar essa longa viagem apenas para ter certeza: Sim, ela existia! Era real! Finalmente o grandioso portão divisou-se à minha frente. Era composto por várias pranchas de madeira maciça, caprichosamente aplainadas e presas a grossas vigas de ferro batido. A pesada argola de metal emitiu um barulho surdo de batidas que ecoaram na noite, e, rangendo sobre as dobradiças, lentamente se abriu. Uma alameda interna de cedros enfileirados rebrilhava sob a lua. Centenas de vaga-lumes piscavam suas luzinhas, acendendo a noite. Ao fundo, na clareira aberta sobre a relva, divisei finalmente O Lar. Recebeu-me a Nobre Senhora, em pessoa, na entrada imponente do Solar. Dentro de sua longa veste azul cobalto parecia ainda mais austera. A tez alvíssima. Os cabelos lisos e grisalhos, presos em grossa trança formavam uma volumosa coroa em torno da cabeça. Aproximei-me e, olhar fixo no seu, em profunda reverência, parei. Sua voz grave e solene ecoou pelo átrio amplo, iluminado por velas, o odor de cera impregnando o ar: “Você ficará conosco por quatro semanas. Este será seu período de noviciado, antes do compromisso com nossa Irmandade. Quatro semanas para entender nossas leis e vivenciar os mistérios da Natureza.” Depois, silenciosa e discreta, indicou-me o caminho de meus aposentos.
Nos vinte e oito dias que se seguiram, descobri mais coisas sobre mim do que durante a vida inteira. Um dia, certamente, passarei adiante as lições que lá aprendi. Desde então, em noites de lua cheia que antecedem meu aniversário, eu me retiro para o campo e, cultivando o silêncio, acendo o fogo de viçosas labaredas, às quais acrescento ramos verdes de samambaias, avencas, arnica da serra, hortelã, macela, malva, alfazema e preparo as infusões. Por enquanto eu as guardo para mim, pois que não chegou a hora da partilha. Mas logo chegará… (Ludmila Saharovsky)
Brinquei de esconde-esconde…nesse encontro fantástico. Amei, Amei, aguardo a partilha.
Logo logo ela virá, querida! As poções estão “maturando”….Beijos! Carinho!
Ludmila, fico encantada com a beleza e sensibilidade de seu trabalho. Parabéns amiga!!!
Um abraço.
Obrigada, Edna! Sua leitura e comentários são um presente nessa manhã! beijos!
Ludmila, minha querida, passeei pelos seus caminhos, curtindo cada palavra de seu maravilhoso texto.Beijos.
Dyrce Araújo
Saudades, amiga! Vamos juntas, sempre, por todos os caminhos…que bom!
Beijão, Dyrcita!