Bastava atravessar-se a rua larga, e a floresta estava logo ali, na volta toda. Um universo contendo dentro de si aquele povoado, na periferia da cidade. Os altos ciprestes, as moitas silvestres em sua abundante produção de pequeninos frutos, o sol brincando de fazer sombra entre os galhos, os montes altos e fofos dos formigueiros, os riachos com suas toscas toras de madeira permitindo a travessia e, de repente, um farfalhar que encobriu todos os demais ruídos. Sobressaindo em meio as folhagens, primeiro revelou-se a pelugem aveludada das orelhas e depois, a cabeça inteira da lebre curiosa como que despregou-se do chão forrado de folhas e sementes. Por um breve lampejo de tempo, seus olhares se fixaram, mas, logo depois ela sumiu da mesma forma que surgira: farfalhando!
Repentinamente o céu fechou-se prenunciando chuva, e ela, sem ter para onde ir, abrigou-se como pode sob o teto de galhos e folhas entrelaçadas, enquanto grossos pingos caiam a seus pés. Logo, a paisagem toda refletia-se em fragmentadas superfícies espelhadas,e, de novo o sol! Ela deixou o abrigo improvisado e prosseguiu seguindo a trilha. Longos e largos caules a cercavam. No ar, o aroma quase palpável da terra molhada. E, de repente , o rumor de passos. Virou-se. Ninguém. Um longo arrepio percorreu seu corpo. Tentou tranquilizar-se e voltar. Mais algumas horas e o entardecer traria a noite! Caminhou, caminhou, e, quanto mais andava, mais a floresta a envolvia. Mas a rua passava logo ali! Enganosos se mostraram todos os caminhos. Qualquer direção que tomasse, não a levava a saída. E…os passos. Parava, eles desapareciam. Recomeçava a andar e o crepitar das folhas recomeçava. Quem esta ai? Perguntou diversas vezes, virando-se bruscamente. Nenhuma resposta! Começou a inquietar-se. Parou. Fazer o que? Pensou. Ficar plantada ali, esperando que alguém do grupo viesse ao seu encontro? Mas quando foi que se perdeu? Estavam todos juntos recolhendo frutas quando surgiu a lebre, e depois a chuva, e depois…e depois só ela, a floresta e aquela certeza já, de que não estava só! Olhou a sua volta. Sentou-se sobre a sacola de lona. O que faria se as trevas a alcançassem antes dos amigos? Espantou aqueles pensamentos. O que quer que acontecesse, tinha que manter a calma. Os nervos no lugar. Não permitiria que o pânico a subjugasse. Respirou fundo, e neste momento, algo junto ao cipreste vizinho se mexeu. Seu corpo enrijeceu ante a expectativa que alguém se revelasse. Nada! Prendeu a respiração e, tentando não fazer barulho, arrastou-se ate a arvore vizinha. O ruído repetiu-se junto a outra, e ela o seguiu. E assim, esgueirando-se de arvore em arvore, sem aperceber-se do tempo, das folhas molhadas, do zumbido dos pernilongos, ela voltou e divisou a clareira que prenunciava a conhecida rua. E o grupo de amigos que preparava-se para sair.
“Então, ate que você não se molhou muito! Chuva rápida, essa de outono, vem, e de repente já termina!”
“Que bom que vocês estão aqui. Pensei que eu havia me perdido!”
“Perdeu-s? Na moita ao lado?”
Ela olhou na direção em que estivera embrenhada, o que lhe pareceu, longas horas antes, e viu, poderia jurar que viu uma pequenina mão lhe acenando em adeus, por entre os velhos e longos caules da floresta.
Ludmila Saharovsky
Reserva florestal do rio Pinhega. Arhangelsk – Rússia
imagem: jerry uelsmann-photography
Gostei muito, como tudo o que escreve.
Suas descrições nos levam sempre a um estado de encantamento. Realidade? Ficção? O que importa? As histórias são sempre fantásticas!