Solovky é um arquipélago de muitos espectros. Nele, cada pedra, cada trilha, cada lago são testemunhas de que a evolução humana é um percurso de dor e medo. Sua geografia, delimitada pelo assombro, contem o presente como se fora o desenho de uma paisagem dentro de outra, milenar. E pedras sobrepõem-se a pedras, feito almas calcinadas. Ali, a historia foi escrita, desde sempre, pelos mortos. Os vivos não passaram de fantasmas, de coadjuvantes, num roteiro composto de lágrimas e sangue.
A paisagem, soberana, tira o fôlego: florestas frondosas emolduradas por lagos calmos e transparentes, o solo de turfa e o céu infinitamente azul. As pedras roladas, trazidas pelo degelo dos icebergs recebem o nome de peregrinas. Pedras peregrinas. Estão presentes, nos mais variados tamanhos, em toda parte. Sobrepõem-se na construção das muralhas, dos templos, silos, canais, aterros, dumbas.(3) Acomodam-se na pavimentação das estradas seculares, nos degraus escavados em meio às montanhas, na sustentação dos imensos crucifixos votivos.
Há três mil anos a.C. foram dispostos em labirintos que se conservam inalterados até hoje, a céu aberto. Explicam os arqueólogos que eles delimitavam áreas de sepultamento entre os povos primitivos que por ali passaram: os finlandeses, os suecos, os noruegueses, que deixavam enterrados, naquele final de mundo, olhando para o mar, os seus mortos. As almas presas naquelas armadilhas circulares não tinham como retornar para assombrar os vivos e assim permaneceram por séculos, atraindo sempre para seu território, outros mortos. (Ludmila Saharovsky)
Os Labirintos
Minha última viagem à Rússia durou quatro meses, e foi absolutamente diversa de todas as outras que já fiz. Esta objetivava um retorno ao meu passado. Passado repleto de histórias de muita dor e perdas, herdado de meus pais e avós, que precisaram, por motivos políticos, deixar sua pátria e fixar-se onde o destino lhes permitisse.
Durante minha infância e juventude vivi alimentada por essas memórias e pelo sonho de um resgate que não conseguiram consumar: o encontro do local onde tombaram seus mortos, executados pelo regime Stalinista. Regime que assassinou, sem qualquer critério, mais de vinte milhões de russos entre os anos de 1920 e 1952. Esse retorno às origens, acabou me levando ao Arquipélago de Solovky, território de natureza e arquitetura deslumbrantes, encravado no Mar Branco, no extremo norte do país, próximo ao Círculo Polar Ártico. Nele foi instalado o primeiro Gulag Soviético, no qual foram exterminados aproximadamente trezentos e cinqüenta mil dissidentes. Os meus não estavam lá. Eu os encontrei posteriormente, em Butovo, nas cercanias de Moscou, mas essa é uma outra história….
A que lhes relato agora trata de labirintos ancestrais, do final da era neolítica, localizados na Ilha dos Coelhos, uma das que compõe o Arquipélago, e que permaneceram absolutamente preservados pelo tempo.
Quando falamos em labirintos, o primeiro que nos vem à mente é o de Cnossos… aquele que o rei Minos mandou construir em Creta. Conforme o mito, finda a obra, Minos nele aprisionou o arquiteto Dédalo com seu filho Ícaro, para que não fosse revelado a ninguém o segredo do único caminho que levava à saída, oculto entre inúmeros outros claramente sugeridos, mas falsos, e que prendeu o Minotauro. Outra referência que temos é a do conhecidíssimo Labirinto da Catedral Gótica de Chartres, em Paris, datado de 1235. Percorrendo-se a vereda que leva ao seu centro, aquieta-se a mente, estimula-se a meditação e encontra-se a paz interna. A prática de andar de forma meditativa por construções circulares remonta à época medieval, quando pessoas eram conduzidas às próprias sendas espirituais através dos pés: um percurso do mundano para o divino. Já os belíssimos labirintos vegetais, feitos de cerca viva, que adornam vários parques de palácios europeus, como o de Versalhes são decorativos e com propostas lúdicas. Os de Solovky antecederam a todos esses. Eles foram construídos por tribos finlandesas que acreditavam ser aquela, a fronteira final do mundo físico. Para além, ficava o mar imenso e desconhecido…Em cerimônias anuais, eles transportavam para a pequena ilha os restos de seus mortos e enterravam-nos sob um monte de pedras centrais que constituíam o início de labirintos circulares, dos quais não há saída. A última volta remete-nos novamente ao centro. Especulam os historiadores que esses marcos tinham por finalidade deixar retidos para sempre os espíritos, em seus emaranhados, para que não viessem assombrar os vivos… Essas construções de 3.000 A.C. estão todas voltadas para o mar e compõem-se por anéis cujos raios chegam a medir 20 metros de extensão até a ponta mais distante. Percorrendo-se pé ante pé o caminho bordado com pedras de variados tamanhos trazidas pelo degelo dos icebergs e gramíneas nativas, os Labirintos de Solovky representam um arquétipo, uma ferramenta, uma marca Divina deixada por nossos ancestrais que nos remetem à experiência da transformação interior. É impossível regressar de lá sem modificar-se. (Ludmila Saharovsky)
Acabei de assistir o filme recente A Longa Marcha que retrata a fuga de uma grupo de fugitivos de um dos gulags na Sibéria através da China, Mongólia, os Himalayas e finalmente a India. Histórias que nasceram a partir de biografias dramáticas, como a de seus antecessores. Aguardo a publicação do seu livro.
Grande abraço,
Sonja.
Cara Sonja!
Também vi este filme, que no Brasil passou com o título “Caminho da liberdade” e, igualmente, fiquei impressionada com a força da vida,
que permite às pessoas superarem tantos obstáculos e se superarem.
Assim foi, também, a história dos meus, que lograram escapar da fúria assassina de Stalin.
Tempo Submerso fica pronto em fevereiro. Com alegria e prazer lhe darei notícias de seu lançamento.
Grande abraço e obrigada pela leitura!
Gostaria de assistir o filme “A longa marcha”, que a Sonja mencionou, mas no nosso oráculo “Santo Google” não obtive informações para adquirí-lo. Pode me ajudar, Lud?
O filme, no Brasil, saiu com o título “Caminho da Liberdade” e é excelente.
Espero que agora você o encontre.
Abraços
Gostaria de adquirir uma obra sua. Por favor, onde tem à venda. Estou em São Paulo, já fui na Saraiva e não tinha disponível. Gostei de sua forma de escrever , um misto de irreverência com elevada reflexão.
Obrigada, Ana Maynardes