O amor em visita, de Herberto Helder


(Foto de Jaroslaw Datta)

O AMOR EM VISITA
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele – imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.

Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
(Trecho do texto de Herberto Helder “O amor em visita”)

Vocês conhecem a obra magnífica deste escritor português?
Ele é um dos meus preferidos.
Seus livros me acompanham em todas as mudanças e não saem de minha cabeceira. Lendo Herberto eu aprendo e me deslumbro com o poder que tem as palavras de semear imagens em nosso imaginário e nos levar a outras frentes de escrita.
Herberto Helder nasceu no Funchal, ilha da Madeira, no dia 23 de Novembro de 1930. Frequentou a Faculdade de Letras de Coimbra. Trabalhou em Lisboa como jornalista, bibliotecário, tradutor e apresentador de programas de rádio. Vive modestamente, recusando entrevistas e importantes prêmios literários, e escreve, escreve, escreve… Obras: Poesia – O Amor em Visita (1958), A Colher na Boca (1961), Poemacto (1961), Retrato em Movimento (1967), O Bebedor Nocturno (1968), Vocação Animal (1971), Cobra (1977), O Corpo o Luxo a Obra (1978), Photomaton & Vox (1979), Flash (1980), A Cabeça entre as Mãos (1982), As Magias (1987), Última Ciência (1988), Do Mundo, (1994), Poesia Toda (1º vol. de 1953 a 1966; 2º vol. de 1963 a 1971) (1973), Poesia Toda (1ª ed. em 1981), Ou o Poema Contínuo (2ª. ed., 2004) . Ficção – Os Passos em Volta (1963)(Ludmila)

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