Sereia


(foto de Michael Dweck)

Um conto quase de fadas

Era um lugar incomum. Não ficava entre vales nem florestas, sempre tão presentes em todos os contos de fadas. Este localizava-se em meio às falésias banhadas pelo mar. Nele instalou-se a sereia. Seu canto mavioso não tardou a ecoar pelos rochedos, até chegar aos ouvidos do monarca. Quem canta melodia tão sublime? indagou maravilhado, e, a partir de então, perdeu a paz. Diariamente vencia os incontáveis degraus que o levavam à torre mais alta do castelo, para melhor usufruir daqueles acordes trazidos pelo vento. Curiosidade indomada, reuniu seus cavaleiros e partiu em direção àquela voz, alcançando, após longa travessia, a base do íngreme penhasco.
Cansados, os cavalos empinaram rebeldes. Exaustos, imploraram os homens, ao regente, que tivesse piedade! As rochas limosas erguiam-se intransponíveis!
Em frente! ele bradou, e todos o seguiram. Os picos afiados cortavam as carnes sem piedade. Muitos quedaram mortos, atravessados pelas afiadas lâminas de pedra, mas o rei, infatigável, prosseguiu a escalada. Finalmente, alcançando o topo, a descobriu: Metade peixe, metade mulher, ela penteava os longos cabelos negros e cantava, refletida no espelho de águas cristalinas.
Ah…Se lograsse descer sem provocar ruídos, poderia facilmente captura-la. E assim o fez. Quando seus olhos se cruzaram, jogou sobre a sereia a espessa rede, tecida com grossos fios de prata. Em vão debateu-se a presa, na longa viagem de regresso. Por fim, sem água que lhe umedecesse as escamas, começou a agonizar, mas as altas torres do castelo, em meio às nuvens, tornavam-se visíveis pela caravana. O mais rápido cavaleiro já atravessara a ponte levadiça com ordens expressas do monarca: A fonte preenchida por água salobra, aguardava pela rara visitante. Dias e noites permaneceu o caçador cuidando da cativa, que vagarosamente, recobrava o alento. Triste porém, sua boca não se abria para emitir um simples som, um único ruído. O rei enamorado, lhe implorava, inutilmente, que cantasse. Em vão murmurava juras de amor, ignorando que a exótica criatura só entendia a linguagem das ondas e do vento. E assim, passou-se o tempo. O monarca, sem entender porque era preterido, vagava cabisbaixo pelo reino. E a sereia desconhecendo porque fora capturada, consumia-se numa tristeza inconsolável. Uma tarde, descobrindo o soberano duas grossas lágrimas escorrendo pelas faces de sua eleita, conclamou os alquimistas, os magos, as feiticeiras: Que transformassem a sereia em mulher! Quem sabe desta maneira, conseguiriam entender-se! Assim, numa noite de lua cheia, surgiu a enigmática princesa. Correram as camareiras e cobriram seu corpo nu com as mais ricas vestes. Vieram os artesãos e adornaram seu colo alvo, com jóias raras. E foram convocados malabaristas para ensinar-lhe a difícil arte de equilibrar-se sobre as longas pernas. Era perfeita! Só lhe faltava o dom da fala e o desejo de assumir-se assim: humana. O casamento foi marcado em meio a infindáveis festejos e, na manhã do grande dia, em vão procurou-se pela noiva. Rastros de passos leves indicavam que ela partira de volta para o mar. Quando o rei subiu pela segunda vez ao topo do rochedo, já não avistou nem a princesa, nem a sereia. Apenas, nas águas cristalinas, percebeu o reflexo de um peixe raro, de exuberantes formas, e no ar, envolta pelo vento, a última canção de adeus.
(Ludmila Saharovsky)

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