Um conto quase de fadas
Era um lugar incomum. Não ficava entre vales nem florestas, sempre tão presentes em todos os contos de fadas. Este localizava-se em meio às falésias banhadas pelo mar. Nele instalou-se a sereia. Seu canto mavioso não tardou a ecoar pelos rochedos, até chegar aos ouvidos do monarca. Quem canta melodia tão sublime? indagou maravilhado, e, a partir de então, perdeu a paz. Diariamente vencia os incontáveis degraus que o levavam à torre mais alta do castelo, para melhor usufruir daqueles acordes trazidos pelo vento. Curiosidade indomada, reuniu seus cavaleiros e partiu em direção àquela voz, alcançando, após longa travessia, a base do íngreme penhasco.
Cansados, os cavalos empinaram rebeldes. Exaustos, imploraram os homens, ao regente, que tivesse piedade! As rochas limosas erguiam-se intransponíveis!
Em frente! ele bradou, e todos o seguiram. Os picos afiados cortavam as carnes sem piedade. Muitos quedaram mortos, atravessados pelas afiadas lâminas de pedra, mas o rei, infatigável, prosseguiu a escalada. Finalmente, alcançando o topo, a descobriu: Metade peixe, metade mulher, ela penteava os longos cabelos negros e cantava, refletida no espelho de águas cristalinas.
Ah…Se lograsse descer sem provocar ruídos, poderia facilmente captura-la. E assim o fez. Quando seus olhos se cruzaram, jogou sobre a sereia a espessa rede, tecida com grossos fios de prata. Em vão debateu-se a presa, na longa viagem de regresso. Por fim, sem água que lhe umedecesse as escamas, começou a agonizar, mas as altas torres do castelo, em meio às nuvens, tornavam-se visíveis pela caravana. O mais rápido cavaleiro já atravessara a ponte levadiça com ordens expressas do monarca: A fonte preenchida por água salobra, aguardava pela rara visitante. Dias e noites permaneceu o caçador cuidando da cativa, que vagarosamente, recobrava o alento. Triste porém, sua boca não se abria para emitir um simples som, um único ruído. O rei enamorado, lhe implorava, inutilmente, que cantasse. Em vão murmurava juras de amor, ignorando que a exótica criatura só entendia a linguagem das ondas e do vento. E assim, passou-se o tempo. O monarca, sem entender porque era preterido, vagava cabisbaixo pelo reino. E a sereia desconhecendo porque fora capturada, consumia-se numa tristeza inconsolável. Uma tarde, descobrindo o soberano duas grossas lágrimas escorrendo pelas faces de sua eleita, conclamou os alquimistas, os magos, as feiticeiras: Que transformassem a sereia em mulher! Quem sabe desta maneira, conseguiriam entender-se! Assim, numa noite de lua cheia, surgiu a enigmática princesa. Correram as camareiras e cobriram seu corpo nu com as mais ricas vestes. Vieram os artesãos e adornaram seu colo alvo, com jóias raras. E foram convocados malabaristas para ensinar-lhe a difícil arte de equilibrar-se sobre as longas pernas. Era perfeita! Só lhe faltava o dom da fala e o desejo de assumir-se assim: humana. O casamento foi marcado em meio a infindáveis festejos e, na manhã do grande dia, em vão procurou-se pela noiva. Rastros de passos leves indicavam que ela partira de volta para o mar. Quando o rei subiu pela segunda vez ao topo do rochedo, já não avistou nem a princesa, nem a sereia. Apenas, nas águas cristalinas, percebeu o reflexo de um peixe raro, de exuberantes formas, e no ar, envolta pelo vento, a última canção de adeus.
(Ludmila Saharovsky)
Que lindo Lud! Adorei o seu conto.
Bjs
Lu achei lindo, emocionante, quase um sonho,parabéns!
Obrigada, Vera! Seja sempre muito bem vinda ao nosso Espelho! Beijos!