Solovky é um arquipélago de muitos espectros. Nele, cada pedra, cada trilha, cada lago são testemunhos de que a evolução humana é um percurso de dor e medo. Sua geografia, delimitada pelo assombro, contem o presente como se fora o desenho de uma paisagem dentro de outra, milenar. E pedras sobrepõem-se a pedras, feito almas calcinadas. Ali, a historia foi escrita, desde sempre, pelos mortos. Os vivos não passaram de fantasmas, de coadjuvantes, num roteiro composto de lágrimas e sangue.
A paisagem, soberana, tira o fôlego: florestas frondosas emolduradas por lagos calmos e transparentes, o solo de turfa e o céu infinitamente azul. As pedras roladas, trazidas pelo degelo dos icebergs recebem o nome de peregrinas. Pedras peregrinas. Estão presentes, nos mais variados tamanhos, em toda parte. Sobrepõem-se na construção das muralhas, dos templos, silos, canais, aterros, dumbas.(3) Acomodam-se na pavimentação das estradas seculares, nos degraus escavados em meio às montanhas, na sustentação dos imensos crucifixos votivos.
Há três mil anos a.C. foram dispostos em labirintos que se conservam inalterados até hoje, a céu aberto. Explicam os arqueólogos que eles delimitavam áreas de sepultamento entre os povos primitivos que por ali passaram: os finlandeses, os suecos, os noruegueses, que deixavam enterrados, naquele final de mundo, olhando para o mar, os seus mortos. As almas presas naquelas armadilhas circulares não tinham como retornar para assombrar os vivos e assim permaneceram por séculos, atraindo sempre para seu território, outros mortos. (Ludmila Saharovsky)
Foto de Irina Orlova