Era a década de 50 e nós éramos apenas mais uma família de refugiados vivendo no Lager Parsh, em Salzburg, onde nasci. E, também, era Natal!
Naquele campo, dividíamos moradias coletivas. Nele, não havia espaço para comemorações particulares. Assim, todos os moradores reuniam-se, sempre, num dos barracões, onde se instalara a pequena Igreja Ortodoxa Russa – palco de atividades sacras e profanas.
A vida, então, era completamente improvisada. Celebrava-se, a princípio, o milagre de ter sobrevivido à guerra. Respirar junto aos seus era o maior de todos os presentes! E as crianças, à volta, endossavam a certeza de que o futuro já estava acontecendo!
Nas festas, cada família trazia o que de mais gostoso encontrasse em sua modestíssima dispensa, para partilhar. Armava-se então uma enorme mesa de tábuas, ao redor da qual todos confraternizavam.
Para nós, crianças, o Natal era a data mais aguardada, não pelos presentes, que não existiam, mas pela mágica visita de Papai Noel, em carne e osso. Ele nos sentava em seu colo, distribuía balas e o tão cobiçado tablete de chocolate, que eu demorava dias para degustar: um bocadinho de cada vez…assim, o prazer perdurava por mais tempo!
A árvore de natal armava-se no meio da rua recoberta por neve, e recebia os enfeites mais inusitados: pássaros de dobraduras, laços de fita, enfeites confeccionados em papelão, biscoitos embalados em papéis coloridos, saquinhos de balas, frutas, pinhas. Muitas, muitas velas eram acesas em suportes presos aos seus galhos, que brilhavam feito vaga-lumes pousados no cipreste, dentro da noite. Ela era montada antes da ceia, que acontecia no interior da igreja, e desmontada em seguida. Certamente não se manteria ornamentada depois que a primeira nevasca noturna caísse!
O pároco sentava-se à cabeceira e a ceia só começava após a missa e a bênção de todos os alimentos. As crianças maiores recitavam poemas decorados para a ocasião, antigas canções natalinas eram entoadas por todos os presentes enquanto os pequenos divertiam-se brincando de roda à volta da árvore. A chegada de Papai Noel era o clímax dos acontecimentos. Nós o esperávamos com um misto de deslumbramento e receio de que ele pudesse, sabe-se lá por que motivo, não aparecer! Afinal, ele era um só… e havia tantos lugares para serem visitados! A história de suas renas velozes, que cortavam os céus do mundo inteiro, foi para mim, durante longo tempo, o maior dos mistérios!
Só muitos anos depois, já no Brasil, foi que enfeitamos nossa primeira árvore doméstica e eu ganhei meu primeiro presente de Natal: uma boneca de porcelana, resgatada de algum brechó, restaurada pelo avô, e com um lindo vestido de noiva, com véu e grinalda, costurados à mão pela mãe. Era linda!
Recordo-me de que, ganhá-la, foi uma felicidade ímpar, que só não foi completa porque não a recebi do Papai Noel. Ele passou em casa rapidamente, o avô me explicou, pois chegar até aquele bairro, na perdida aldeia de Carapicuíba, onde fomos morar, foi difícil e levou muito tempo! Não daria para ele ficar esperando pelo meu abraço, assim, ele a deixou debaixo de nossa árvore e partiu. Eu entendi!
Cresci, cultivando em mim esse espírito da magia de Natal e fico sempre desolada quando alguém me relata que, para si, essa data é sinônimo de tristeza!
Seria tão bom se, nesse dia, todos pudéssemos reencontrar nossa criança interior, pegá-la no colo e, bem junto ao coração, relembrar que Natal é a festa dessa outra criança que renasce a cada ano, trazendo consigo novas promessas e esperanças para um novo ciclo de vida. Esse é o maior milagre de todos! Como não ficar feliz ao recebê-la? (Ludmila Saharovsky)
Natal de antes
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