Sete horas da manhã.
O sol de outono, aqui no litoral do Rio de Janeiro, não tem nada de tímido.
Ele surge com força total, cravando 26 graus nos termômetros e obrigando a todos a buscarem uma sombra amiga.
À minha frente, caminhando com grandes mochilas às costas, um casal resolve fazer uma pausa para a água de coco. Esta seria uma cena absolutamente normal, não tivessem eles, penso cá com meus botões… quantos anos? Certamente perto de oitenta! Paro também, interessada em observá-los mais de perto. Ele, trajando largas bermudas de cor cáqui, meias até a altura da panturrilha, tênis, chapéu e um colete repleto de bolsos, tira a mochila das costas para ajudar sua companheira a livrar-se, também, do peso da sua.
Ela, uma senhorinha branca como a neve, de cabelinhos ralos e curtos, frisados por permanente, veste-se, igualmente, à vontade: usa um shorts largo feito saia e, amarrado à cintura, pende um casaco de moletom. Traz uma echarpe longa, (de voile?) sobre os cabelos e a camiseta cavada, com estampa do Corcovado, revela, indiscreta, as alças de um sutiã (ou será maiô?) que seu marido ajeita com cuidado. Ela, agradecida, toca com os dedos seu rosto e ele retribui ao carinho beijando-lhe a mão.
Tomamos os três, a água geladinha e prosseguimos a caminhada. À certa altura, eles sentam-se num dos inúmeros bancos espalhados pelo calçadão e ele a ajuda a tirar os sapatos. Eu, discretamente, observo seus pés delicados, de unhas pintadas de um rosa antigo, mergulharem na fina areia da praia.
Não consigo desgrudar-me do casal. Sigo atrás deles, que caminham de braços dados, conversando animadamente; rindo, abaixando-se para coletar alguma rara concha, que atiram de volta para o mar. Formam um belo par de apaixonados, que só revela a idade pela carne, já flácida, a curvatura das costas e os movimentos lentos, mas, a felicidade estampada nos gestos e no olhar atenua esses meros detalhes! Olhando para o mar, de comum acordo, eles param. Colocam as bolsas com cuidado sobre a echarpe estendida sobre a areia e sentam-se apoiando-se nelas. O céu azul, a água límpida e o calor já impertinente convidam para um mergulho. O homem se despe. Está com um calção florido, engraçado, que lhe chega até os joelhos, por baixo da bermuda. Tira o colete, depois a camiseta. Sua pele rosada, recoberta por uma pelugem cor de prata, brilha sob o sol, assim como a calva pronunciada. Ele dobra suas roupas com cuidado e as coloca de volta na mochila. Abre então a dela, retira uma toalha, que faz de biombo, para que a senhorinha possa trocar-se com um mínimo de privacidade e surgir num maiô escuro, inesperadamente magra, igual a uma menina. Nesse momento, buscando alguém na praia para confiar seus pertences, eles me percebem. “A senhora poderia tomar conta das coisas, um instante, para nós?” Eu concordo.
Eles brincam entre as ondas feito dois adolescentes. Passado algum tempo, retornam e, remexendo em seus guardados, tiram uma máquina fotográfica, daquelas antigas, de filme que se precisa revelar. “Abusando de sua gentileza, será que a senhora poderia bater uma foto nossa?” ele diz. Ela se aproxima e completa: “Hoje comemoramos sessenta anos de casados… Passamos nossa lua-de-mel nesta praia”.
Não consigo mirar no visor. Meus olhos, marejados de lágrimas, embaçam tudo. Peço desculpas pela minha emoção. Eles me abraçam e depois, se abraçam. Eu tiro a foto e lhes dou os parabéns. “E estão sozinhos aqui, hoje?” pergunto. “Fugimos da família” ela responde, os olhos brilhando marotamente. “Resolvemos pegar o ônibus e refazer a viagem como da primeira vez!” “A senhora nos acompanha no brinde?” Tiram uma garrafa de champanhe da bolsa, copos de plástico e brindamos à sua vida, certamente repleta de aventuras e desventuras, mas recoberta por um afeto tão intenso que, nessa manhã de junho, acelerou meu coração e o faz bater com mais fé, emoção e fantasia! Se eles permanecem com essa energia, alegria e disposição para a vida, nós também haveremos de conseguir!
Felicidades, Agostinho e Guiomar! Esta crônica, embora nunca a leiam, é para vocês!
(Ludmila Saharovsky)
crônica publicada no Jornal Valeparaibano em 2008
Meus parabéns por mais esta crônica maravilhosa. Lembro-me quando você voltou da sua caminhada na praia e me contou, emocionada, sobre este encontro. Beijos, Livingstone.
Uma linda historia de amor, tenho essa maravilhosa crônica guardada, com todo carinho.Quando a li pela primeira vez chorei de tristeza, porque a minha não teria esse mesmo final feliz; hoje me emociona lembrar, mas feliz por muitos viverem e você escrever. Obrigada Ludmila.Feliz dia a todos!!!
Mana Caetana
Voce e incrivel. Adoro os seus contos. Todos eles. Considero o meu presente de aniversario. O Dia dos Namorados aqui e 14/2.
Beijos,
Mirian
Nossa, chorei de emocao com voce. Como voce disse, se eles fizeram, nos tambem temos a capacidade de faze-lo. Que pena que sempre desistimos tao facil!
Lindo … Linda … Lindos eles …
Tocante a sua história. Por que tanto nos emociona a vida vivida com simplicidade?
Lú, que demais. A sua crônica me fez lembrar dos meus pais que completaram seus cinquenta anos juntos, como cúmplices amantes. Ela forte, determinada e de um briilho intenso e ele gravitando ao seu redor me lembrava um porta bandeira, protegendo, amparando e refletindo aquele brilho tão singular que o fazia brilhar também. Quando ela se foi, ele se fechou para a vida e foi se apagando…até que perdeu todo o brilho que o fazia viver…
Obrigada por me fazer reviver isso, Lú
Beijinhos,
Benny