25/12/2011
Sônia Gabriel
Especial para O VALE
No Vale do Rio Paraíba, no grotão mais distante, na casinha bucólica, no quarto da parteira, dentro da caixa tecida com palha de bananeira, pois banana é alimento abençoado, não há quintal onde uma bananeira não vingue, está a pele desgastada da gambá que morreu de velhice. Enrolada com cerimônia e respeito.
A velha senhora a acolhe nas mãos com reverência, a abriga entre o tecido branco de linho e deposita no embornal junto à tesoura antiga e o carretel de linha grossa.
Sai apressada, com passos seguros que desafiam sua muita idade.
Na porteira, Francisco já espera angustiado, a mulher sobe lépida na charrete e faz sinal com a mão para seguir.
Depois de quase hora de caminho, a casa da parturiente é avistada. Francisco entra apressado e avisa que a parteira está pronta, a mulher deitada na cama, suando e gemendo baixinho suas dores de mais um parto, sorri como quem diz que quem precisa estar pronta é ela.
O homem, desajeitado com aquilo em que não pode nada, abre caminho para a velha aparadeira.
As crianças, somando meia dúzia, numa escadinha, desafiam o medo e vigiam atrás da porta o mistério que está para se desvendar.
Esperam para verem a criança sair, mais um irmão. Será homem? Será mulher? Mais escuro? Mais clarinho?
Aparece outro adulto que espaventa com todos dali, já não bastasse a delicadeza do momento e ainda menino em penca atrapalhando o caminho. São corridos para outro cômodo da casa.
Lá, o pai Francisco os acolhe, finge calma e aconchega as crianças cada qual num canto. Os gemidos da mãe enchem os cômodos singelos e o tempo passa devagarzinho.
No cantinho do cômodo, na pequena mesa, um cenário comovente reúne vacas, bois, galinhas, ovelhas, camelos, burros, pastores e anjos. Maria e José olham encantados para uma manjedoura vazia, à espera do menino que dali a alguns dias nascerá. Pertinho dos sagrados pais uma pequenina figura da gambá. Ela tem lugar de honra.
Contam as mulheres mais velhas, que quando Nossa Senhora teve o menino, o leite não descia e a criança chorava de fome. A gambá, que tinha parido há poucos dias, apressou-se a oferecer de seu leite para Maria alimentar o filho. Nossa Senhora ficou muito comovida com a oferta, mas seu lado humano teve nojo do leite da gambá.
Recusou a oferta, mas recompensou a generosidade daquela amorosa mãe: desde então a gambá não sente as dores do parto.
O parto se alonga e a parteira revela o rosto enrugado, fazendo sinal chamando o pai. Francisco se levanta, ruma para o quarto e se aproxima da cama, a parteira então lhe toma a mão e junto a sua o ensina a abrir a pele da gambá, eles a esticam sobre o ventre angustiado da mulher que chama por Nossa Senhora do Bom Parto.
O homem reza baixinho, a mulher vai sossegando, o corpo se abre sem dor e a criança nasce. A velha aparadeira cumpre, mais uma vez, seu ofício divino.
No cômodo ao lado, as crianças ouvem o silêncio interrompido por choro inaugural, forte, urgente, saudável. Tal qual o cenário montado na mesinha de canto, o Natal se faz. Sim, porque é Natal cada vez que nasce uma criança.
Sônia Gabriel é professora de história, escritora de muitos talentos, mulher linda e uma amiga muito especial e querida. Ela mantém há anos um blog sobre a cultura popular do Vale do Paraíba,
www.misteriosdovale.blogspot.com que virou um livro já em sua segunda edição, e é co-autora também da obra Eugênia Sereno, a menina dos vagalumes.
Essa historia de natal foi publicada no Jornal O Vale, quando a editora do segundo caderno, Lucimara Nascimento convidou alguns escritores e cronistas para criarem um conto especialmente para a época. Gostaram? Então visitem o blog da Sônia! Garanto que, como eu, ficarão fãs! (Ludmila)
Sempre me encanto.. com os contos… me faz voltar a infância siimples… onde não se precisava de muito… apenas ..o sonho de que um dia iriam se realizar…. beijos e abraços ….!!!!
Fazendo um trabalho de pesquisa e me deparo com essa anotação. Fico tão emocionada! Senti saudade de você, do caderno com as crônicas, da Lucimara acreditando e divulgando nosso trabalho. Quanta gente boa, quantos talentos dispostos a me ensinar. Como sou feliz por ter encontrado todos vocês. Beijo, Ludmila, obrigada por tudo SEMPRE. Paz e bem!